Dados Históricos sobre a Igreja Joanita – Parte 1

Após terminarmos a nossa exposição sobre a história dos desenvolvimentos gnósticos modernos, iremos falar sobre a nossa Igreja Joanita – Ecclesia Catholica Apostolica Santi Iohannes (ECASI).

Embora apresentamos a história de Palaprat na história da igreja gnóstica, como falamos no próprio texto, o seu movimento muito mais tinha de joanita. Portanto, é necessária a leituar da parte 1 da sequência de texto gnóstica, já que faz parte principalmente desse movimento. Para o índice inicial que sempre colocamos, não o deixando bagunçado, consideraremos a história de Palaprat como a parte 0 da nossa história. Começaremos essa parte falando sobre as Igrejas Vétero-Católicas e também sobre o Bispo Matthew.

Parte 0: Palaprat

Igrejas Vétero-Católicas

As Igrejas Vetero-Católicas referem-se às Igrejas Católicas nacionais e/ou independentes que surgiram após o Concílio Vaticano I, sob a orientação do Papa Pio IX. Embora não estejam atualmente em comunhão com a Igreja Católica Apostólica Romana, mantém o diálogo ecumênico através da Comissão Internacional de Diálogo Vétero-Católico. Encontram-se em plena comunhão com a Igreja Anglicana e participam do Conselho Mundial das Igrejas. O nome dá-se porque os membros dessa denominação consideram-se os verdadeiros “antigos” católicos, que adotaram novas e insustentáveis doutrinas, em especial as do Concílio Vaticano I.

Os primeiros grupos vétero-católicos surgiram por volta de 1870 quando Bispos, sacerdotes e pensadores católicos romanos da Aústria, Suíça e Alemanha rejeitaram as decisões do Concílio Vaticano I, realizado entre 1869 e 1871, que definiu o dogma da Infalibilidade Papal^[1]egundo tal dogma, o Papa, em comunhão com o Sagrado Magistério, quando delibera e define solenemente algo em matéria de fé, moral ou costumes, ex cathedra (literalmente, “a partir da … Continue reading. Estes contestatários reuniram-se e organizaram os congressos de Munique (1871) e de Colônia (1872) que resultaram mais tarde, em 1889, na declaração de Utrecht, na qual os vétero-católicos clarificam sobre as suas posições doutrinárias.

Johann Joseph Ignaz von Döllinger (1799-1890) foi o principal líder dos vétero-católicos, mas curiosamente nunca se considerou um cismático, apesar de sua excomunhão pela Santa Sé devido sua ordenação como Bispo vetero-católico. A Igreja Anglicana e a Igreja Jansenita Holandesa de Utrecht reconheceram e providenciaram a ordenação episcopal dos Bispos das recém-formadas Igrejas Vétero-Católicas e assim eles mantiveram as suas sucessões apostólicas.

Pouco mais tarde, em 1890, o movimento começou a se fragmentar em vários grupos independentes entre os quais alguns passaram a professar doutrinas heterodoxas, como é o caso da Igreja Católica Liberal, fundada em 1916, que incorpora doutrinas teosóficas ao seu corpo doutrinário. Posteriormente também surgiram Bispos e Igrejas de um grande número de denominações independentes, com sucessão vétero-católica, como os episcopi vagantes.

Em geral, tais igrejas possuem uma doutrina semelhante à doutrina da Igreja Católica, rejeitando (geralmente) apenas os novos dogmas proclamados após a cisão inicial com a Igreja Romana e alguns anteriores a ela como a Imaculada Conceição da Virgem Maria (1854), a Assunção de Maria aos Céus (1950) e, claro, o da Infalibilidade Papal (1871). Reconhecem o primado de honra do Bispo de Roma, mas não o vê como superior a todos os Bispos que dirigem as demais Igrejas nem muito menos a ideia da infalibilidade papal proposta no Concílio Vaticano I. Defendem uma maior participação dos leigos nas Igrejas e aceitam a Bíblia e a Tradição como fontes da Revelação Divina. As Igrejas Vétero-Católicas podem tender a ser mais liberais e abertas do que a Igreja Católica Romana como, por exemplo, acontecendo de haver denominações que possam ordenarem mulheres ao sacerdócio, celebrarem casamentos homoafetivos e serem favoráveis ao uso de contraceptivos.

É interessante frisar que os vétero-católicos holandeses têm uma história muito mais antiga. A Igreja Católica Apostólica Antiga foi fundada pelo missionário anglo-saxão Willibrord, que se torna independente de Roma no século XVIII, principalmente devido à disputa entre jansenistas e jesuítas. Conseguiu preservar a sua sucessão apostólica e incluir em suas fileiras outros Bispos também com sucessão. Foi através da transmissão ininterrupta desta sucessão que ela chegou às Igreja Vétero-Católicas da Alemanha e da Suíça. Deste modo, embora excomungadas pelos Papas da época, a validade de suas ordens sagradas nunca foi discutida pelos teólogos sérios.

Bispo Matthew

Arnold Harris Matthews (mais tarde trocado para Matthew) nasceu em 1853. Foi batizado católico romano, devido à sua mãe, mas cresceu anglicano. Era um homem dividido entre o catolicismo e anglicanismo. Embora tenha estudado o ministério sacerdotal escocês, foi ordenado sacerdote na Igreja Católica Apostólica Romana em 1877. Tornou-se dominicano em 1878, perseverando por apenas um ano, movendo-se por várias dioceses. Aposentou-se do trabalho sacerdotal em 1889 devido, ao que parece, um certo descontentamento em relação à Igreja Romana. Ele enviou à sua congregação um anúncio de que, deixando de acreditar nas doutrinas fundamentais^[2]Em especial a divindade do Cristo e a inspiração das Escrituras. do catolicismo romano, não mais poderia atuar como sacerdote.

Embora amasse a liturgia e a tradição católica romana, sentiu-se mais atraído pela teologia contemporânea do protestantismo. Após doze anos de vocação religiosa, tornou-se unitarianista^[3]O unitarianismo é uma corrente de pensamento teológico que afirma a unidade absoluta de Deus, em oposição ao trinitarianismo existente na maioria das denominações cristãs. e rompeu com a Igreja Romana. Entretanto, ser unitarianista não significava dizer que ele poderia exercer a liturgia e dedicar-se espiritualmente aos serviços religiosos que tanto amava, pois não haveria espaço para isto^[4]A Igreja Unitária é uma espécie de Igreja às margens do catolicismo e do protestantismo.. Assim sendo, deixa a Igreja Unitária para retornar à Igreja da Inglaterra, servindo como curador em Londres^[5]Neste ponto que ele muda o sobrenome para Matthew.

Ao contrário do que se possa pensar, a vacilação religiosa de Matthew não era baseada em oportunismo ou um interesse em títulos e respeitabilidade. A cada mudança de denominação, ele perdia respeito e posição, infelizmente. Essas mudanças repentinas eram íntegras, suas vacilações eram realmente interiores. Como acabou mais perdendo que ganhando, precisava de um suporte social para melhorar a sua posição, cada vez mais caída, e encontrou isto ao fazer renascer seu título familiar. Ele tornou-se o quarto Conde de Landaff de Thomastown. Isto garantiu-lhe posição social. Casou-se em 1892, usando o título de reverendo conde Povoleri di Vicenza. Deixa de utilizar oficialmente o título de conde em 1894.

Durante sua curadoria em Londres, Matthew voltou a todo vapor para o catolicismo romano. Converteu-se novamente e viveu uma vida de leigo. Escreveu alguns livros católicos entre 1898 e 1908. No entanto, novamente haveria uma mudança repentina em sua carreira religiosa. Ano após ano ele foi desenvolvendo um profundo desgosto pelo papado e não conseguiu ter sucesso em conversar com o Arcebispo de Canterbury sobre este tema. Isso motivou-o a buscar a consagração de vétero-católicos em Utrecht.

Ele não estava sozinho em sua nova caminhada. Embora tivesse perdido o respeito entre os membros da ortodoxia cristã inglesa, nas mais variadas denominações, ele conseguiu simpatizantes com o seu trabalho, que também buscavam um melhor método para adoração a Deus, longe dos constantes conflitos teológicos entre católicos e protestantes, mas ainda mantendo visões modernas sobre a Bíblia e mesmo considerando a ciência. Matthew e sua pequena comunidade buscavam uma comunhão, mas infelizmente viam-se rejeitados ou possuíam ideais conflitantes com as comunidades de culto existentes à época.

Depois de muita consideração e uma série de pedidos de seus simpatizantes, ele procurou o Episcopado da Igreja Vétero-Católica da Holanda e da Suíça. Entrou em contato com ela através da mediação de outro ex-padre romano, Richard O’Halloran^[6]Foi suspenso por “razões de disciplina canônica”., que estava convencido de que se um ramo da Igreja Vátero-Católica fosse fundado na Inglaterra congregaria também outros ex-padres descontentes com Roma e com a Igreja Anglicana. Influenciado por essa convicção, Matthew escreveu ao Arcebispo de Utrecht, Gerardus Ghus, propondo que uma missão fosse fundada na Inglaterra. Para este fim, ele foi consagrado Bispo em 28 de abril de 1908 pelo Arcebispo de Utrecht, com o pleno consentimento de todo o clero Católico Antigo. Ele então começou o seu serviço clerical e mesmo a ordenar Sacerdotes em Londres e seus arredores. Chegou a publicar, em 1909, O Ritual e Missal Velho Católico em inglês.

A chuva esperada de convertidos do clero romano não se concretizou. Embora houvesse base para que se pensasse que isso pudesse ocorrer, pensou-se que o descontentamento do clero era suficiente para induzir a um grande número de sacerdotes esquecer seus votos de obediência e converter-se a uma outra denominação, especialmente quando esta outra não havia meios financeiros suficientes para atender às suas necessidades físicas.

Depois de alguns desentendimentos^[7]Em primeiro lugar, ele se opunha às inovações da Igreja Vétero-Católica, dizendo que ela estava se tornando protestante. Em segundo lugar, consagrou dois católicos romanos (Beale e Howarth) em … Continue reading com Utrecht, o Bispo Matthew foi eleito Arcebispo para a sua própria congregação em 1911 (mas o seu bom êxito tinha sido escasso até então, a julgar pelo tamanho dessa congregação), declarando autonomia e independência de qualquer outra Igreja. Quando J. I. Wedgwood fez contato com o Arcebispo Mathew em 1913, ficou tristemente surpreso que o total de membros da missão poderia ser contado “nos dedos de uma mão”. Na ocasião da sua eleição de 1911, o Papa Pio IX excomungou-o^[8]Bem como os outros dois sacerdotes católicos que foram consagrados às escondidas., descrevendo-o como um “pseudo-bispo”.

O Arcebispo Mathew era muito devoto e erudito, mas não tinha o poder de atrair multidões. Enquanto nunca se pôs em dúvida sua integridade e caráter geral, teve uma tendência a discutir e muito rápido rompeu relações com Utrecht, além de criar antagonismos com a comunhão anglicana, cujas ordens ele ofereceu para “regularizar” (em uma carta ao arcebispo de Canterbury). Embora, em 1915, a maioria do seus sacerdotes eram membros da Sociedade Teosófica e da Ordem da Estrela do Oriente, em um primeiro momento, Matthew não os questionou quanto a isto, mas posteriormente também houve discussões com eles, assim como com o seu próprio assistente, Bispo Willoughby^[9]Em 1914, Matthew consagrou Frederick S., um ex-sacerdote anglicano injustamente perseguido por alegada homossexualidade. Matthew conhecia a história completa e a documentação envolvida com o … Continue reading. Para se ter ideia, após o rompimento com Utrecht, mudou o nome de sua Igreja nove vezes (Igreja Católica Antiga, Igreja Católica Inglesa, etc.).

Conseguiu consagrar doze Bispos entre 1910 e 1916, os quais ordenaram sacerdotes.

Um outro lado interessado de Matthew era que, além de autor e historiador notável, tinha um memorável conhecimento sobre a Ortodoxia Oriental, estabelecendo relações cordiais entre os vétero-católicos ingleses e a Sé Patriarcal de Antioquia. Enquanto Arcebispo, ele tentou expandir as Igreja Ortodoxas Orientais na Europa Ocidental. Olga Novikov, junto com a Baronesa Natalie Uxkull-Gyllenband, incentivaram e ajudaram financeiramente Matthew. Uma delas, inclusive, apresentou Matthew à Igreja Ortodoxa Grega de Antioquia. Em 1911, Messara, Legado do Patriarca Ortodoxo Grego de Antioquia, considerou as ideias vétero-católicas de Matthew como em pleno acordo com a Ortodoxia Oriental, onde, nesta ocasião, Matthew foi solenemente recebido na Igreja Ortodoxa Grega de Antioquia. A Igreja do Matthew tornou-se uma jurisdição autocéfala do Santo Sínodo desta Igreja ortodoxa. Há algumas controvérsias sobre este ponto da história, onde há quem diga que Matthew não foi admitido porque não foi recebido diretamente pelo Patriarca da Igreja Ortodoxa Grega de Antioquia, mas há quem diga que o Legado agiu em pleno acordo com o Patriarca, sendo isto corroborado por não existir uma comunicação formal de repúdio ao Matthew ou mesmo que desdissesse que isto ocorreu, negando qualquer tipo de vínculo entre ele e tal Igreja.

Em 1916, mais uma vez anuncia a sua submissão a Roma, tendo escrito uma Carta Pastoral exortando o seu clero a desistir do pensamento teosófico. Essa época de sua vida foi bem complicada, pois seus amigos o abandonaram e sua esposa pediu divórcio (que ele recusou). Novamente mudando de ideia, procurou os Bispos anglicanos para acolhê-lo, sem muito sucesso, contentando-se em ajudar nos serviços de uma paróquia. Morreu em 1919, sendo enterrado perto de Londres com ritos anglicanos.

Dentro de tantas vacilações, qual a importância de Matthew para a nossa história? Além de possuirmos a sucessão apostólica direta de Matthew, muitos teosofistas adentraram sua Igreja, sem haver problema algum nisso^[10]Era vantajoso para Matthew, pois agregaria mais membros à sua Igreja. Talvez ele tivesse pretensão de, caso o esperado sucesso se concretizasse, pudesse convencer os teosofistas a abandonarem as … Continue reading. O bispo Willoughby simpatizou com muitos padres que foram ordenados pelo Matthew e que eram da Sociedade Teosófica. Matthew denunciou todos eles em sua tentativa de ganhar a confiança de Roma. Então, ele se ofereceu para transmitir o episcopado para a Teosofia e, após dois anos de consideração, a oferta foi aceita. Antes de continuarmos esta história é válido ressaltar que através do arcebispo Matthew, uma sucessão apostólica válida ingressou no seio dos movimentos iniciáticos, em particular da Teosofia, e esta sucessão^[11]Bem como o olhar hermético/iniciático aliado ao olhar ortodoxo., no decorrer do tempo, ramificou-se da Inglaterra para o mundo inteiro, espalhando-se por meio de algumas denominações que podem estar presentes dentro de escolas iniciáticas nos dias de hoje, como acontece conosco.