Positio Philosophorum

– POSITIO PHILOSOPHORUM –

+ In Cruce Salus +

O presente Positio Philosophorum tem como objetivo o posicionamento público da Irmandade dos Filósofos Desconhecidos quanto aos seus princípios éticos inamovíveis e inderrogáveis.

“A Irmandade dos Filósofos Desconhecidos, no processo de admissão dos candidatos que batem às suas portas, não faz qualquer distinção de sexo, identidade de gênero, orientação sexual, nacionalidade, raça, condição social e credo religioso.” (Art.1º da Declaração de Princípios)

No que tange os temas apontados no parágrafo anterior, a Irmandade dos Filósofos Desconhecidos assume o Paradoxo da Tolerância, conforme enunciado pelo filósofo Karl Popper, como relevante bússola a apontar para os seus ideais. Isso porque não basta deixar de fazer tais distinções antifraternas e preconceituosas unicamente no momento do processo de afiliação. Entendemos ser necessário manter atenta vigilância para que tais distinções separatistas não existam no seio da Ordem e, por consequência lógica, não entendemos que seja possível alguém estar verdadeiramente afinado com os propósitos gerais da Ordem caso trate a outrem com distinção em razão de seu sexo, identidade de gênero, orientação sexual, nacionalidade, raça, condição social ou credo religioso. Sempre que nos deparamos com tal situação no nosso meio, o membro é advertido, recordado do compromisso assumido no momento da sua afiliação e, caso prossiga nessa linha de conduta, é convidado a se retirar.

O mencionado paradoxo busca responder ao seguinte questionamento: uma sociedade tolerante deve tolerar a intolerância?  A resposta é NÃO. Trata-se, realmente, de um paradoxo, mas a tolerância ilimitada pode levar ao desaparecimento da própria tolerância. Quando a tolerância é estendida aos intolerantes, os tolerantes acabam sendo destruídos e a tolerância segue essa mesma sina, juntamente com eles. Esse processo é muito bem ilustrado na emersão de projetos políticos e sociais, quaisquer que sejam, alicerçados em discursos de ódio contra minorias identitárias. Desse modo, Popper conclui que todo movimento que pregue a intolerância e a perseguição deve ser considerado ilegal. Por mais paradoxal que seja, defender a tolerância exige não tolerar o intolerante.

O Caminho Martinista é uma senda formada por sínteses: Caminhos Místico e Operativo, Esoterismos do Ocidente e do Oriente, Vias Seca e Úmida, Peregrinação Solitária e Cavalaria do Altruísmo, Coração e Intelecto, Matéria e Espírito, Trabalho e Oração. Consoante os ensinamentos transmitidos pelos símbolos que nos são revelados na Iniciação, reconhecemos uma Unidade Maior subjacente à multiplicidade aparente e o olhar do martinista é desde o início orientado para ela, para o Centro que, no homem, encontra no coração a sua maior representação. O martinista, nesse contexto, é um Buscador dessa Verdade e, ao mesmo tempo, um Cavaleiro do Altruísmo, dedicado ao “combate ao mal oriundo da insensatez e da ignorância” e à defesa de quem está sendo oprimido ou precisando de auxílio.

Em tempos como os atuais, ressoamos com as palavras de Paulo Freire: nós somos divergentes, mas nós temos um campo antagônico a enfrentar”. No contexto da Tradição da Ordem Martinista, tais ideias e palavras poderiam ser traduzidas do seguinte modo: em nosso seio, há espaço para a divergência, seja ela política, religiosa etc. No nosso seio, há espaço para a multiplicidade das singularidades humanas, afinal, é a partir da multiplicidade que perceberemos a Luz da Unidade. Em nosso seio, contudo, NÃO há e NÃO deve haver espaço para aquilo que constrange a dignidade humana, apequena o ser humano, incentiva o ódio, a intolerância, a violência e o preconceito. Noutras palavras, NÃO há e NÃO deve haver espaço para aquilo que esfacela a multiplicidade. O campo antagônico à Unidade Maior e ao seu reconhecimento na multiplicidade é onde travamos o nosso “Bom Combate”. A Verdade emana de fontes diversas, não podendo haver qualquer forma de exclusivismo quanto à sua posse. O martinista não deve se inclinar ao moralismo ou a uma postura dogmatizante, mas deve permanecer sempre um humilde buscador da Verdade e, ao mesmo tempo, velar pela senda da Unidade.

O moralismo e a subversão dos ensinamentos de compaixão das grandes correntes religiosas entristecem o coração do iniciado que neles reconhece o perverso fruto da ignorância. Como compreender, por exemplo, o cristão que endossa a apologia à tortura e à violência? O caminho martinista, por sua vez, está alicerçado na prática cardíaca e interior, que define o sentido de toda uma expressão exterior na vida do iniciado. Trata-se de um compromisso ético-moral do iniciado de transpor os ditames teóricos e, com disciplina e afinco, levá-los à realização em prol da Reintegração de TODOS os Seres. Tal qual o voto do Bodhisatva no Budismo Mahayana, que não descansará enquanto toda a humanidade tenha atingido a liberação definitiva, um martinista deve se empenhar para que toda a humanidade se reintegre ao seu estado primitivo de glória.

Não é difícil compreender, portanto, o quão distante desse ideal se encontra a sanha por legitimar diversas violências, sejam elas dirigidas contra negros, homossexuais, mulheres, não-cristãos e até mesmo contra a natureza, o saber científico, a saúde e o patrimônio ecológico, pois produz danos irreversíveis à sociedade e a toda a realidade ao nosso entorno. Conforme a reflexão da historiadora Karen Armstrong, tais violências, cada vez mais presentes nas redes e nas mídias, encontram sua origem na defesa de um “deus pessoal” que, na verdade, é um reflexo míope e distorcido das crenças, desejos, preconceitos e temores de um grupo de seguidores. Nessa configuração, tal “divindade” representa os pensamentos e as projeções daquilo que seus criadores amam, acreditam e odeiam, movimentando-se o grupo pelas veredas de um discurso pernicioso que vê o diferente e a diversidade como inimigos a serem combatidos, derrotados e aniquilados. De igual forma, a distopia da “divindade” ameaça a vida e a própria civilidade ao chancelar a disseminação do discurso odioso na sociedade sob a justificativa de um “ordenamento divino” que validaria os mais diversos atos criminosos. O Caminho, conforme compreendido pela Tradição Martinista, definitivamente não é esse.

Frise-se que, neste Positio Philosophorum, não estamos defendendo ou criticando este ou aquele ideário partidário. Pouco nos importa que nossos membros se inclinem politicamente para a esquerda ou para a direita, para o socialismo ou para o liberalismo. Estamos a tratar dos princípios pétreos subjacentes à dignidade de todo e qualquer ser humano, os quais lamentavelmente vem sendo mais e mais esquecidos contemporaneamente, onde os matizes saturninos da Era de Aquário, ainda incipientes, vêm trazendo à tona doutrinas e ideias contrárias à dignidade e à fraternidade humana.

Noutro artigo da nossa Declaração de Princípios, lemos informações relevantes para este Positio Philosophorum:

“Não exigindo nenhum juramento de obediência passiva de seus membros e não lhes impondo nenhum dogma, quer materialista, quer religioso, deixa-lhes inteiramente livres em suas ações. Dentro do espírito papusiano, a Ordem Martinista deve ignorar a exclusão de membros pelo não pagamento de cotizações e não se ocupa, nem de política, nem de religião, uma vez que seus estatutos proíbem terminantemente essas atividades.” (Art.8º da Declaração de Princípios)

Ainda que não se ocupe de religião, nem tampouco de política, no sentido de sectarismo religioso e de partidarismo político, a Ordem Martinista perpetua uma Tradição e um modo de vida que engloba valores e princípios éticos que lhe são próprios. Eles estão presentes nos ritos iniciáticos, nas instruções, nos catecismos e nos muitos outros documentos que compõem o nosso depósito tradicional, dentre os quais destacamos a “Declaração de Princípios da Irmandade dos Filósofos Desconhecidos”, o “Código da Cavalaria Iniciática” e o “Grande Juramento do Círculo dos Filósofos Desconhecidos”. Deles, os dois primeiros, a Declaração (Declaração de Princípios – IFD (filosofosdesconhecidos.com.br)) e o Código (A Guarda da Cavalaria Iniciática – IFD (filosofosdesconhecidos.com.br)) são públicos e estão inteiramente publicados neste domínio. Quanto ao “Código da Cavalaria Iniciática”, destaque-se que uma das Ordens a adotá-lo é justamente a Ordem Rosacruciana que repousa no seio da Ordem Martinista – a Ordem dos Irmãos Iluminados da Rosa+Cruz. O “Grande Juramento”, por sua vez, é uma síntese dos juramentos e compromissos assumidos por cada Irmão Martinista no transcurso dos Graus da Ordem e, para conservar o sigilo inerente a esse aspecto do Caminho da Iniciação, ainda que completamente consoante com o presente Positio Philosophorum, ele será mantido sob o manto.

Aliás, talvez nem todos saibam que, entre os fundadores da Irmandade dos Filósofos Desconhecidos, havia irmãos negros e não cristãos, que alguns dos principais dirigentes da Ordem são homossexuais e que dentre os cargos e ofícios mais elevados da nossa organização encontram-se muitas mulheres. Seria, assim, o cúmulo da contradição e mesmo da hipocrisia que não nos manifestássemos contra ideias que promovem o racismo, a intolerância religiosa, a homofobia e a misoginia.

Hannah Arendt, que foi chamada para assistir ao julgamento de Adolf Eichmann, um dos responsáveis pelos crimes humanitários e pelo genocídio cometido pelos nazistas, escreveu a respeito da Banalidade do Mal – o mal banal do indivíduo. No julgamento, Eichmann jamais se responsabilizou pelos crimes cometidos, mas se justificou com o argumento de que seguia ordens, o governo e as leis do Estado, de modo a acreditar em sua inocência. A conclusão de Arendt foi a de que o mal praticado por Eichmann não era um mal demoníaco, mas constante, que fazia parte do dia a dia dos oficiais nazistas como instrumento de trabalho. Nesse contexto, definiu-se que a banalidade do mal é um mal em si mesmo, cuja prática foi tornada comum (tal como aquele responsável pelo assassinato de Constant Chevillon, nosso Mestre do Passado, martirizado no transcurso da ocupação nazista na França). Arendt também afirmava que o uso do argumento de que Eichmann lançou mão para se justificar levaria à ascensão de regimes totalitários e à banalização da razão e da coerência do ser humano.

Em um momento como o atual, quando o mal novamente se banaliza de maneira generalizada pela sociedade, a direção da Irmandade dos Filósofos Desconhecidos sente-se no dever de se posicionar a favor da coerência. Em consonância com o pensamento de Arendt, apostamos na liberdade de cada indivíduo quanto a tomar as suas próprias decisões e, como martinistas, velamos para que elas sejam alicerçadas na reflexão e na racionalidade que visa ao interesse comum e ao bem da coletividade. Desse modo, ainda que permaneçamos apartidários, opomo-nos e seguiremos nos opondo a qualquer manifestação política ou social que esteja a favor de um regime que oprima o ser humano em razão de sexo, identidade de gênero, orientação sexual, nacionalidade, condição social ou credo religioso. A ética, o respeito e a virtude devem orientar o caminho do iniciado e devemos sempre nos lembrar de extratos como os que seguem:

“Devemos amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos, encontrando, na Imitação de Cristo, uma importante chave para a elevação da alma.” (Art. 1º do Código da Cavalaria Iniciática)

“Devemos assumir responsabilidade por nossas ações, preservar a pureza de propósito em cada um de nossos atos, observar a prudência e nos conservar coerentes para com nossos votos e solenes compromissos.” (Art. 9º do Código da Cavalaria Iniciática)

“Devemos defender a liberdade, reconhecendo a fagulha divina presente em cada um dos seres, conservando a tolerância e a paciência, e promover a justiça para com os fracos e oprimidos.” (Art. 12º do Código da Cavalaria Iniciática)

“Devemos combater a ignorância e o mal que dela se origina, viabilizando o acesso ao conhecimento, incentivando o cultivo da sabedoria e fortalecendo o enfrentamento do obscurantismo, da alienação e da manipulação da mente fraca.” (Art. 14º do Código da Cavalaria Iniciática)

Sâr Appolonius, PR+C                                    Sâr Pelicanus, PR+C

        Grão-Mestre                                          Grão-Mestre Adjunto