O Liber H dos Rosacruzes

“O primeiro Irmão desta augusta Fraternidade que morreu, e isto ocorreu na Inglaterra, foi o Irmão I.O., tal como o Irmão C. há tempos havia-lhe predito. Ele era muito culto e conhecia com profundidade a Cabala, como demonstra o livro H., de sua autoria. Na Inglaterra era muito famoso, pois havia curado o jovem Conde de Norfolk que sofria de lepra”. (Fama Fraternitatis)

No início do Século XVII, três documentos movimentaram a Europa e criaram um movimento conhecido como Iluminismo Rosacruz, gerando uma nova fase na filosofia e na cultura europeias. Não irei abordar aqui aos detalhes históricos deste movimento, sobre o qual há tantas obras sobre. Hoje nos interessa uma citação muito pontual de um desses documentos. No primeiro Manifesto Rosacruz, Fama Fraternitatis, três livros que são citados: Liber M, Liber H e Liber T. O primeiro e o último livro citados recebem um foco bem maior e existem muitos trabalhos sobre estes dois. O segundo, o Liber H, acaba sendo negligenciado. É sobre ele que iremos focar.

Antes de qualquer coisa, é importante deixar claro que os Manifestos Rosacruzes são notadamente cristãos. Isto não significa dizer que o Rosacrucianismo é uma espécie de religião cristã. Entenda, no contexto dos Manifestos, que cristão é aquele que busca desabrochar a rosa sobre a cruz. Na obra “Uma Aventura entre os Rosacruzes”, de Franz Hartmann, é dito que “homem algum pode tornar-se membro de nossa pobre Ordem se o seu conhecimento for baseado em dogmas, crenças, credos ou opiniões que tenham sido ensinados por outrem, ou que ele tenha aceito por ouvir dizer ou pela leitura de livros. Esse conhecimento imaginário não é um conhecimento real; não podemos saber nada a não ser o que sabemos por nós mesmos, porque isso nós sentimos, vemos e compreendemos. (…) Nossa Ordem, portanto, nada tem a ver com credos, crenças ou opiniões de qualquer espécie. Essas coisas não têm importância para nós; só desejamos o conhecimento real. Se todos fôssemos suficientemente perfeitos para reconhecer todas as verdades por percepção direta, não precisaríamos de livros nem instrumentos; não precisaríamos usar a lógica nem fazer experimentos. Mas se estivéssemos nesse estado de perfeição, não estaríamos aqui, mas no nirvana. Do jeito que as coisas são, continuamos a ser homens, embora muito acima do animal intelectual que se costuma denominar homem e que não foi regenerado. Ainda usamos nossos livros, temos nossa biblioteca e estudamos as opiniões dos pensadores; mas nunca aceitamos esses livros e opiniões, ainda que provenham do próprio Buda, como guias infalíveis, a menos que recebam o aval de nossa razão e compreensão. Nós os veneramos e deles fazemos uso; eles nos servem, mas nós não o servimos”. Precisaremos ter isto em mente para podermos abordar o Liber H.

Podemos resumir o método de trabalho do Cristianismo Interior para com a humanidade, de acordo com o que consta nos Evangelhos, em dois: “Pregai o Evangelho” e “Curai os Enfermos”. Percebemos na mítica história de Christian Rosenkreutz, principal personagem dos Manifestos, que realizou ambos os métodos de trabalho ao propagar o Rosacrucianismo.

O primeiro método foi realizado na Espanha, onde tentou transmitir axiomas novos, vindos da experiência conquistada através da sua viagem até então, mas os sábios, os religiosos e os nobres recusaram, pois temeram o novo, estavam acostumados com o erro e a ignorância, não queriam confessar que são aprendizes e nem ter o esforço de aprender coisas novas. Enquanto a mensagem for dirigida àqueles que sofrem da autossuficiência, aos que não estão abertos ao novo e não se reconhecem na condição de aprendiz, aos que acham que tudo sabe, aos portadores do maior mal que assola os estudantes do Hermetismo Cristão, como diz o Valentim Tomberg, ela não terá resultado algum e o portador da mensagem irá se defrontar com a recusa, as insinuações e as perseguições. A falta de amor, de humildade, de bondade e a ignorância certamente afasta a compreensão da Luz. A muralha da ignorância não é abatida quando falamos sobre a Luz e somente faz as Trevas surgirem para derrubar o propagador da mensagem. “E a luz resplandece nas trevas e as trevas não a compreenderam”. A título de curiosidade, isso tanto está em consonância que o Rosacrucianismo que o seu primeiro Manifesto leva o nome da deusa Fama, que era incumbida de propagar notícias, sejam elas originadas por deuses ou mortais. Mais à frente, Fama foi substituída pelos anjos na mitologia judaico-cristã, que também desenvolvem papel de mensageiros.

CRC parte para a Alemanha e inicia o seu segundo método, focado na cura dos enfermos. Aqui entendamos o processo de cura alquímico, a cura dos males da humanidade em todos os planos de manifestação. “Ela cura todas as doenças como a hidropsia, paralisia, apoplexia, a lepra, abrevia todas (as doenças) em geral”, como disse Basílio Valentim ao falar sobre a Alquimia. Ele começa este método após 5 anos na Espanha, após ter tomado consciência da melhor forma de conduzir a sua obra, a qual é resumida na primeira lei do contrato sêxtuplo dos oito primeiros membros da Fraternidade, “ninguém deve exercer outro ofício a não ser o de curar os doentes, e isto gratuitamente”. O “Anunciai o Evangelho” ainda continua, a mensagem ainda está sendo conduzida ao coração dos homens sinceros, pois somente são enviados os que conseguem fazer um discurso completo sobre a filosofia secreta e revelada a eles, conforme consta na própria Fama, mas a principal ênfase é na cura, na obra. O “Reforma Universal de Todo o Mundo pela Ordem de Apolo” é concluído com a exortação que nada externo poderia ser feito para curar a situação degradada da humanidade, pois todo o mal vem do interior do homem, então o foco principal é curar esta degradação, mas sem deixar de anunciar a Grande Obra. A Reforma é um texto que se encontrava, curiosamente, prefaciado o primeiro Manifesto. Então, o segundo, e último, método de trabalho dos Rosacruzes é o ofício da cura, gratuito. O Novo Testamento anuncia a história do Cristo, a Verdadeira Luz, o Redentor, “que trouxe a Cura em Suas Asas”. “Ele ensina ao ser humano a salvar-se através da regeneração e isso Ele ensinou pelo exemplo, além de Seus preceitos, para que Seus ensinamentos pudessem ser bem sucedidos.” Ao despertar o nosso Cristo Interno, ao desabrochar a rosa sob a cruz, o ser humano pode curar o seu estado decaído para que então possa chegar à sua Regeneração. Assim podemos resumir este método, que é mais focado na obra e não na “pregação”, embora também anuncia a filosofia secreta e revelada aos corações sinceros.

Dispensário Santana ::: Jesus cura um leproso.

“Quando ele desceu do monte, grandes multidões o seguiram. Um leproso, aproximando-se, adorou-o de joelhos e disse: “Senhor, se quiseres, podes purificar-me!” Jesus estendeu a mão, tocou nele e disse: “Quero. Seja purificado!” Imediatamente ele foi purificado da lepra. Em seguida Jesus lhe disse: “Olhe, não conte isso a ninguém. Mas vá mostrar-se ao sacerdote e apresente a oferta que Moisés ordenou, para que sirva de testemunho”. (Evangelho de São Mateus)

Da mesma forma que ocorre no corpo físico, a lepra simbolicamente fala sobre as impurezas do ponto de vista espiritual que começam pequenas, das quais inicialmente não se tem consciência sobre, e crescem por todo o corpo. Para ser curado destas impurezas há a advertência à limpeza do ponto de vista espiritual, uma catarse. Recomendou também que nada dissesse, pois quando mais se fala mais se enfraquece o influxo espiritual. Lembremos que os três primeiros membros da Fraternidade de Christian Rosenkreutz recebem a orientação de serem fiéis, diligentes e sigilosos.

Boas maneiras com o Tarô: Pajem de Paus – Tarolando

Voltando à citação que fizemos no início, a obra que o Frater I.O. realiza para que seja conhecido por todos na Inglaterra é curar um jovem conde da lepra. A palavra conde é oriunda do latim comes, que significa companheiro ou servidor. Comes é formado por com, junto, mais ire, ir, ou seja, “ia junto a”. Um companheiro de armas de um rei conseguia dele terras e então se tornava um conde ou senhor feudal e as suas terras eram designadas de feudo ou condado. Mais tarde vira título de nobreza. Um jovem é alguém com inúmeras possibilidades de desenvolvimento e cuja obra ainda está longe de ser cumprida. No Tarô há a representação do arquétipo do jovem na figura do Pajem ou Valete, que representa o jovem, alguém com potencial (mas que não se sabe como o utilizará), inícios, o grau inicial da via iniciática. O jovem Conde de Norfolk foi curado da lepra pelo Frater I.O., um dos quatro primeiros da Fraternidade criada pelo Pai-Irmão C.R.C. Perceba que simbolicamente o Frater I.O. realiza a cura, primeira lei das seis que os Rosacruzes se submetiam, citadas na Fama Fraternitatis, ao jovem conde, que possuía lepra, impurezas e imperfeições internas a ponto de serem expressadas externamente, realizando o processo de catarse, corrigido as suas imperfeições do mesmo modo que o aprendiz desbasta uma pedra bruta até que ela chegue em uma pedra cúbica, sendo apresentado através da obra, a cura, à mensagem, a Arte Real, e, a partir de então, começando ainda em juventude a aprender e galgar os degraus da via iniciática, sendo tanto aprendiz, porque aprende de, quanto companheiro do Frater I.O., pois vai junto dele. Lembremos que o “jovem Pajem” tem também o aspecto de mensageiro e, desta forma, o Frater I.O. acaba se tornando conhecido na Inglaterra, não pela mensagem enviada como mensagem, mas sim pela mensagem enviada ao coração dos homens sinceros através da obra.

S T R A V A G A N Z A: A SAGA DO SANTO GRAAL

Não podemos esquecer que a Inglaterra é o local onde miticamente se passa a lenda de Rei Arthur e o Santo Graal. Há também a figura de um jovem com grande importância, Percival. Existem numerosas histórias sobre a sua origem. Na maioria delas ele é de origem nobre, sendo filho de Pellinor, cavaleiro valoroso e rei de Listenois. A sua mãe, geralmente anônima, realiza também importante papel na história. Ela vai viver em uma floresta isolada, após a morte de seu marido, para impedir que o filho se torne cavaleiro. Aos quinze anos, ao treinar com sua espada na floresta, Percival encontra cinco cavaleiros com armaduras brilhantes e os toma por anjos e, ao ver isto, decide se tornar cavaleiro e dirige-se à corte do Rei Arthur. Após se revelar excelente guerreiro, é convidado a juntar-se aos Cavaleiros da Távola Redonda.

Percival – Wikipédia, a enciclopédia livre

“O jovem Percival estava exausto depois de cavalgar o dia inteiro. Meses antes ele tinha partido dá corte do rei Artur em busca de fama e aventuras, mas naquela noite tudo que ele queria era dormir. Foi quando avistou um castelo. Os portões estavam abertos e Percival entrou. Lá dentro foi recebido por um certo “Rei Pescador”, um velho nobre que o convidou para a ceia. Antes do banquete começar, duas crianças atravessaram a sala. Primeiro um menino passou trazendo nas mãos uma longa lança, cuja ponta sangrava como se estivesse viva. Logo depois surgiu uma menina em roupas majestosas, carregando um recipiente de ouro puro, incrustado pelas joias mais preciosas da Terra. O clarão era tão intenso que as velas do castelo perderam o brilho. Percival ficou deslumbrado, mas, por timidez, não perguntou o significado daquilo. No dia seguinte, o cavaleiro seguiu viagem. Aquela cena nunca mais sairia de sua cabeça. Um dia, ele decidiu reencontrar os tesouros e desvendar seus segredos, ainda que a aventura lhe custasse a vida. A busca pelo Graal acabava de começar”.

Chrétien de Troyes conta que ele se encontra com o Rei Pescador, aleijado, e vê um graal, que ele ainda não havia identificado com “santo”, mas ele não consegue responder a pergunta feita pelo Rei que, se respondida diretamente, curaria-o de sua condição. Quando toma consciência do erro, promete encontrar o Graal e completar a sua missão. A história então continua de várias formas por diferentes autores. Em uma delas, ele se torna o Rei de Carbonek ao curar o Rei Pescador. Peixe em grego é ichthys e é interpretado por cristãos como um acróstico para Iesoûs Christòs Theoû Hyiòs Soter, Jesus Cristo Filho de Deus Salvador. O nome Percival vem de Pierce Veil, “aquele que perfura o véu”, representando a espada que consegue rasgar o véu.

Perceba que é no mínimo curioso a Fama fazer alusão à cura do jovem conde justamente nas terras de Percival. Como um dos pilares da Tradição Rosacruz é a Pansofia, a “Sabedoria do Todo” no sentido hermético do termo, é recorrente fazermos pontes com diversas tradições e símbolos para que possamos compreender melhor a mensagem central. Não estamos apontando que o conde é o Percival, mas que há coisas que se repetem: o enfoque na cura, a mensagem crística, o iniciar da caminhada iniciática, a inocência que pode se tornar sabedoria após perfurar o véu, dentre outros. Outro ponto que é importante notar é que o jovem conde faz alusão ao elemento Terra, ao lembrar da figura do Pajem, e o santo Graal faz alusão ao elemento água. Há alguma letra hebraica que alude, no Tetragrammaton, a estes dois elementos? A Letra Heh, a quinta letra do alfabeto hebraico, que se repete duas vezes.

Cabala da casa: entenda a metodologia que harmoniza energias do lar - Casa  e Jardim | Bem Estar

Outro detalhe que não pode passar despercebido é que a lepra é um problema que acomete a pele. O Irmão I.O., conforme consta na Fama, era versado em Cabala, segundo o próprio Manifesto, e não iremos negligenciar um dos pilares da Tradição Esotérica Ocidental. Passando as letras latinas que formam o seu nome para o hebraico teremos Irmão Iod + Vav, cuja soma numérica resultará em 16. A décima sexta letra é Ayin.

No Gênesis, Adão e Eva possuíam corpos de luz, e que, com o resultado de sua expulsão do Paraíso, ambos perderam este corpo. A palavra hebraica para Luz é Ohr (אור) e para Pele também é Ohr (עור).  A diferença entre ambas está na primeira letra, a primeira palavra é escrita com Aleph e a segunda com Ayin. A diferença numérica entre ambas é de 69, representado pelas letras Samech e Teth. A imagem pictográfica de Samech é um suporte, ou seja, algo que apoia. Já Teth é uma serpente. Juntas significam “apoio da serpente”. Em outras palavras, através do apoio da serpente, Adão e Eva perderem suas peles de luz e tiveram que ser dado a eles peles de carne e sangue. Ayin é representado por um olho, aluindo às nossas percepções e experiências. Desta forma, quando se comeu o fruto proibido, seus olhos se abriram e começaram a experimentar o bem e o mal.

6 — Os enamorados. As figuras nuas de um homem e de uma… | by Diogenes  Junior | Trilhas no Universo

Adão e Eva se cobrem de folhas de árvore. Eles perceberam que esta dimensão, após a Queda, era governada por tais folhas, ou seja, pela ilusão. Tentaram utilizar-se delas, cingindo-as como ferramentas, com o propósito de autoproteção. No início, eram revestidos por corpos de luz e, após as suas quedas, foram revestidos de corpos de pele, o que é bom para o corpo, mas não para a alma. Resumindo, conscientizaram-se de sua condição e natureza ao abrirem os seus olhos (ayin) e verem o seu corpo de pele (Ohr, עור). O Zohar afirma que a alma do homem não ascende ao mundo vindouro a menos que novamente se revista com as vestes celestiais, da mesma forma não desce a este mundo a menos que seja revestida por um corpo. Também podemos correlacionar as vestes ao simbolismo do manto, através do qual chegamos à seguinte dialética: ao utilizarmos-no simbolizamos o nosso anseio de retorno ao Éden, ou seja, a Reintegração, ao mesmo tempo que também alude ao manto de Elias, que desce sobre todo aquele que o vê em espírito subir aos céus movimentado por uma carruagem de fogo (Merkabah).

Se estamos trabalhando com o processo de cura alquímica, curando o nosso estado caído para que possamos nos regenerar, então, neste processo de Retorno ao Criador, em determinado momento, iremos novamente nos vestirmos do corpo de luz. Iremos transformar o Ayin da palavra em Aleph. A lepra aponta justamente um problema na pele. Agora podemos reforçar que a lepra não remete a algo físico, mas espiritual. A condição degenerada do homem o fez ter uma vestimenta de carne, a qual pode se degenerar ainda mais, mas podemos curar tal condição e usarmos novamente uma vestimenta de luz.

Segundo uma tradição islâmica, Kherz-Elias reside onde os oceanos celeste e terrestre se tocam. Diz-se que seu manto adquiriu a cor verde depois que se banhou da fonte da vida. É o iniciador espiritual, o que passa a iniciação vertical, da mesma forma que passa o seu manto a Eliseu. Essa experiência faz aqueles que a vivenciam entrar, como diria Henry Corbin, em uma linhagem de cavalaria espiritual, a qual tem desígnios escatológicos e liga os profetas, os eleitos, os guias, os iniciados que se empenham desde a origem da Criação no advento do Alvorecer para que se possa fazer a Reforma Universal de Todo o Mundo e trazer novamente a Luz ao mundo.

As nossas imperfeições, o que nós precisamos lapidar e curar, é curiosamente a “vera prima materia” (a verdadeira matéria prima). O Rosarium Philosophorum afirma que a pátina, resultante do processo de oxidação do bronze e do cobre, é o que há de perfeito neles, pois é ela que através da Arte Real será transformado no ouro mais verdadeiro. O manto de Elias se torna verde na lenda islâmica acima após mergulhar na fonte da vida. O cobre é o metal associado a Vênus. Nechoshet (cobre) e Nachash (serpente) combinam-se perfeitamente e criam a serpente de cobre de Moisés, que curava todos aqueles mordidos pela serpente da morte ao olhar para a serpente da vida sustentada pela haste. Não seria o apoio da serpente resultante da diminuição das palavras alusivas ao corpo espiritual e ao corpo físico (Ayin – Aleph = Samech + Teth, que possuem o mesmo peso numérico, 69, e que simbolicamente representam um apoio, Samech, para uma serpente, Teth)?  Não é o verde a cor da natureza? Não é o verde uma das cores de Osíris, o Deus mortificado e ressuscitado? Não seria o verde, a lepra, a verdadeira base do trabalho alquímico? Então a cura da lepra do jovem conde é justamente o indicativo de que ele foi iniciado na tradição da cavaleira espiritual através do Frater I.O., conscientizou-se de sua situação e começou o ofício da cura, que não finda após a lepra ser curada, nem muito menos quando ela for transformada em ouro através do magisterium, mas quando tanto ele quanto toda a humanidade realizar o Retorno ao Criador.

Rosarium philosophorum - Wikipedia, la enciclopedia libre

“Nosso ouro não é o ouro vulgar. Mas indagaste acerca do verde (viriditas), supondo que o bronze fosse um corpo ‘leprosum’ devido ao verde que o recobre. Por isso eu te digo que se há algo perfeito no bronze é esse verde, uma vez que ele será em breve transformado pelo nosso método (magisterium) no ouro mais verdadeiro”. (Rosarium Philosophorum)

Tendo realizado todas estas considerações chegamos então ao Liber H, que alude à quinta letra hebraica, He, a letra da consciência. Na Cabala Judaica, He designa os cinco sentidos, as cinco dimensões e os cinco níveis da alma (Nefesh, instintos, Ruach, emoções, Neshamah, mente, Chayah, ponte para a transcendência, Yechidah, unidade). É a única letra repetida duas vezes no nome divino, que na Cabala Hermética é correlacionada à água e à terra, da mesma forma que também se relaciona ao mundo transcendente e ao mundo material. Antecedendo uma palavra, torna-a algo concreto, pois serve de artigo definido. Quando inicia uma frase torna-a uma interrogação, como na frase que Caim diz: “Acaso o guarda de meu irmão sou eu?”. Combina graficamente as letras Dalet e Vav, complementando a pobreza (Daleth) com aquilo que desce do alto (Vav), ou seja, deixamos de ser pobres através de He, quando a Luz desce do alto e nos dá plenitude. É colocado no início do verbo ser, He Vav He, denominando Deus daquele que é, foi e será, ao mesmo tempo que se diz que o mundo foi criado com He, mundo este feminino, afinal o He também indica o feminino quando colocado no término de algumas palavras e gerando também fecundidade, como Sarai virando Sarah.

Este Liber gera interrogações para nós possamos buscar as respostas. Como dizia uma propaganda de um canal televisivo no passado, “não são as respostas que movem o mundo, são as perguntas”. Como todo livro de Cabala, sua linguagem não pode ser compreendida apenas racionalmente, podendo apenas ser compreendida e vivenciada quando temos o desejo de conhecer e experimentar o que ela remente, atraindo as Luzes Circundantes à nossa alma, Aor Makif, até que possamos chegar àquela experiência espiritual que a linguagem remete. A Letra He é formada por um Dalet e um Yod, ou seja, uma imagem da porta que nos leva a retornar a Deus através do poder transformador do Espírito dEle. Abrindo a porta do coração, Deus habitará em nós, até mesmo porque Daleth mais Aleph somados geram He, 5.

“Toda a religião Cristã está baseada no conhecimento de nossa origem, de nossa atual condição e de nosso destino. Ela mostra primeiro como que da unidade caímos na variedade, e como podemos retornar ao estado primordial. Segundo mostra o que éramos antes de nos tornarmos desunidos. Em terceiro lugar, explica a causa da continuação de nossa presente desunião. E, em quarto lugar, nos instrui sobre o destino final dos elementos mortais e imortais dentro de nossa constituição”. (Jacob Boehme)

A definição de Jacob Boehme sobre o conhecimento proveniente da religião cristã também expressa o conteúdo do Livro H. Perceba que todas as nossas questões existenciais são respondidas através do que ele chama de religião cristã. É claro que quando ele fala de conhecimento ele não fala de conceitos racionais ou intelectuais, afinal “o meu conhecimento não é meu, mas Deus conhecendo através de mim”. “Segue meu conselho; deixa de buscar o conhecimento de Deus através da tua vontade egoísta e de teu raciocínio, joga fora tua razão imaginária, aquela que teu eu mortal pensa que possui, então tua vontade será a vontade de Deus. Se Ele encontrar a Sua vontade como sendo a tua vontade na Dele, então a Sua vontade irá se manifestar em tua vontade, como se fosse Sua própria propriedade. Ele é Tudo, e o que quer que desejes saber do Tudo está Nele. Não há nada oculto diante Dele, e tu verás em Sua própria Luz“. Tomando esta postura e conscientizando de sua condição então o homem pode seguir “O Caminho para Cristo”, através dos processos de Arrependimento, Resignação e Regeneração.

Em várias Ordens Rosacrucianas a Cura tem um papel central de destaque. Inclusive na Rosa+Cruz Dourada alemã, do Século XVIII, a ideia de cura alquímica possui um papel central. Isto porque o maior ofício dos Rosacruzes é a cura. A Reforma Universal de Todo o Mundo é alcançada através do anúncio da filosofia secreta e oculta e, principalmente, da realização da obra, a cura. Assim o homem pode sair de sua condição degenerada e pode nascer de novo. O Liber H lida com o contato inicial do Aprendiz com a Arte Real através de uma linguagem cabalística, conscientizando-o de sua condição para que assim ele possa começar o seu processo de cura. Assim o jovem conde pode ser curado de sua lepra e o jovem Percival pode começar a sua busca pelo Graal. Não é o livro de respostas prontas, mas de perguntas. A dúvida será o fermento de seu trabalho, pois o desejo de receber aquela compreensão ou experiência irá atrair a Luz para si. Podemos então realizar as nossas correções (Tikkunim), rasgar o véu e encontrar a porta que nos transmutará de uma condição decadente em uma condição plena. Podemos fazer o coração de Deus habitar em nós e nós habitarmos no coração de Deus, desabrochando a Rosa sob a nossa Cruz e sendo então verdadeiramente iniciados na cavalaria espiritual ao recebermos o manto de Elias. Em suma, ele é o símbolo que nos conduz à consciência de nossa condição para que haja a nossa iniciação aos mais sublimes Mistérios. E, por que não dizer, é o livro que mais fala da nossa maior meta enquanto estudantes de Esoterismo: o Servir, de preferência, de modo Incógnito, o que também está em consonância com as leis rosacrucianas expressas nos Manifestos.


Comments

10 respostas para “O Liber H dos Rosacruzes”

  1. Ricardo

    Excelente texto! Deve ser estudado várias vezes.

  2. GLAUCO VIEIRA FERNANDES

    Pesquisa muito instigante do Sâr Órion; um grande aprofundamento no texto do Fama Fraternitatis. Já estou relendo-o!

  3. Renato Caraciola

    Excelente correlação entre as duas peles, o metal e a cor associada, o verde. Interessante que o resultado da oxidação do cobre, surge com uma coloração verde. O bronze, metal também citado, é uma liga, normalmente, de cobre e estanho, e quanto maior a concentração de cobre maior o quantidade de oxidação verde. A natureza e a simbologia mística, e, ou esotérica, parecem se correlacionar perfeitamente para explicar as verdades profundas. Gratidão pelo trabalho.

  4. Henrique

    Maravilhado com a excelência desse texto.
    Obrigado por mais uma pérola!!!

  5. Alexandre Terenciano

    Muito bom! Embora eu não tenha muitos conhecimentos esotéricos e, por isso não acesso algumas chaves nem entendo certas correlações, gostei muito do texto.

    Quem sabe com o tempo alcance a essência inserida nas linhas…

    Forte abraço!

  6. Fernando Brandão dos Santos

    Excelente texto que presentifica a História dos Documentos Rosacruzes, focando no que tange à saúde não só física, mas sobretudo na saúde espiritual tão cara às escolas tradicionais ligadas ao rosacrucianismo.

  7. Leo Artaud Toledo

    Estou impactado! Parabéns querido, e muito obrigado por esta pesquisa esclarecedora.

  8. João Paulo Belo Cesário

    Muito interessante !!

  9. Henrique S R

    Ótima pesquisa e escrita!
    Parabéns!

  10. Seu Jorge

    o que significa Sâr?

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