3ª Preleção
Tema: Ortodoxia – o correto pensar
O que é ortodoxia?
Muito embora, no mundo contemporâneo, as pessoas tenham uma noção distorcida do que venha a ser ortodoxia, associando esta palavra a dogmatismo e à imposição de um ponto de vista sobre uma determinada coletividade, a verdade é que ortodoxia nada mais é do que o correto pensar, consoante a tradução do grego para a língua portuguesa. Não é por outra razão que o primeiro passo do Nobre Caminho Óctuplo preconizado por Sidarta Gautama, o Buda, seja “pensamento correto” ou “conhecimento correto”.
Seria possível discorrer mais a respeito, para que essa noção se torne mais concreta?
William Stoddard resume-a bem da seguinte maneira: 2 + 2 = 4 é ortodoxo; 2 + 2 = 5 não é ortodoxo. Em suma, ortodoxia nada mais é do que uma bússola, um norte que aponta para a verdade e assegura a sua primazia.
A ortodoxia é o fio condutor que passa por entre mitos, símbolos e doutrinas religiosas tradicionais. Ela pode ser universal, ocupando-se da verdade em si mesma, ou particular, voltando-se às formas internas e externas de uma dada religião. Por exemplo, a ortodoxia será universal no tocante a um Princípio Primeiro, à Causa das Causas, absoluto e eterno, mas será específica no que diz respeito à afirmação de que Jesus é Deus (Cristianismo), de que o Profeta Muhammad é o mensageiro de Allah (islamismo) ou de que Deus se expressa na trindade Brahma, Vishnu e Shiva (Hinduísmo).
Se a ortodoxia é esse fio da verdade que perpassa as expressões filosóficas e religiosas tradicionais, qual é o seu oposto?
A heresia, que pode ser intrínseca ou extrínseca. Intrínseca será a heresia universal, como, por exemplo, o ateísmo. Extrínseca, por outro lado, é aquela particular a um determinado sistema filosófico ou religioso, como o seria a negação da ressurreição de Jesus ante o Cristianismo.
Por que a noção de ortodoxia é importante no âmbito dos estudos tradicionais e principalmente para a compreensão da obra de René Guénon?
Primeiramente, porque essa palavra foi perdendo a sua real acepção, dando lugar a uma ideia distorcida e negativa. Sem compreendê-la adequadamente, dificilmente se conseguirá separar o tradicional do não tradicional. Vivemos num mundo globalizado, no qual convivemos com várias religiões dignas desse nome, mas também com misturas religiosas indigestas ou com versões aguadas e mal adaptadas de religiões tradicionais, fenômeno que se verifica mais claramente no que diz respeito às religiões orientais. O mesmo ocorre com movimentos e associações de cunho filosófico, pois embora subsistam instituições muito sérias, abundam ainda mais aquelas que, explorando a enorme carência cultural contemporânea, oferecem meros pastiches de ensinamentos tradicionais.
Assim, respondendo-se à segunda parte da pergunta, seja porque o pensamento de René Guénon sempre se volta para a verdadeira Tradição, seja pelo fato de o seu estilo literário apresentar grande rigor no uso das palavras, explicações preliminares e definições vocabulares são de grande valia para a compreensão dos seus escritos.
Do ponto de vista tradicional, quais religiões poderiam ser consideradas ortodoxas?
A fim de não tornar muito longa a explicação, serão apresentadas as principais e as mais conhecidas dessas religiões, sobretudo aquelas de que René Guénon tratou em suas obras, o que não exclui outras tantas que demandariam considerações mais detalhadas. São elas, assim, o Hinduísmo, o Budismo, o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo.
Algumas delas se dirigem as todos os povos, apresentando um aspecto missionário, como é o caso do Budismo, do Cristianismo e do Islamismo. Já outras contam com um caráter particular, voltado a um determinado povo ou segmento da população mundial, como se dá com o Hinduísmo e o Judaísmo. As primeiras buscam convertidos, ao passo que as segundas não (nelas, embora seja possível a conversão, ela não é incentivada, nem muito menos buscada).
Há traços comuns entre essas religiões aqui listadas?
Sim, o que não significa que não sejam singularmente diferentes. O Budismo é uma derivação tardia do Hinduísmo, pois Sidarta Gautama, o Buda, era um kshatriya, isto é, um integrante da casta dos guerreiros, que rompeu com a ortodoxia do Hinduísmo e deu origem a um sistema filosófico que, depois da sua morte, tornou-se uma religião, hoje matizada de acordo com os locais em que se instalou (há escolas budistas hindus, tibetanas, japonesas e chinesas, por exemplo).
Já no que diz respeito ao Judaísmo, ao Cristianismo e ao Islamismo, todas as três são monoteístas e derivam do Patriarca Abraão, razão pela qual são chamadas de monoteísmos abraâmicos ou semitas. Acresça-se que Abraão não era judeu, mas semita, ou seja, pré-judeu e pré-árabe. Do seu filho Ismael, cuja mãe era Hagar, vieram os árabes, ao passo que do seu filho Isaac, cuja mãe era Sara, derivam os judeus.
Sâr Apollonius
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