Catecismo Gnóstico E.G.A.L./E.GRAAL 02 – Cosmovisão

COSMOVISÃO

41. Da perspectiva da E.G.A.L., qual a origem do mal?

O molde místico-gnóstico otimista que orienta a perspectiva teológica da E.G.A.L. não compreende o mal como estando intrinsecamente ligado a matéria. Desse modo, tanto o corpo quanto a matéria não são condenados. Aliás, mesmo o cristianismo tradicional (isto é, não gnóstico) tem essa mesmíssima visão, como o atestam as epístolas de Paulo, de sorte que qualquer atribuição de um caráter maligno, diabólico ou completa e irremediavelmente maculado à matéria é uma distorção da mensagem cristã original.

Em suma, para a Tradição, a ignorância é a fonte do mal.

42. E qual a raiz da ignorância?

A fonte da Ignorância é a ausência da Gnose.

43. Qual o papel da Regra dentro de um caminho caracterizado pela Liberdade?

Conforme a compreensão da E.G.A.L. a respeito do Caminho, ele é primeiramente caracterizado pela liberdade. Em segundo lugar, pela iluminação. Entre uma característica e outra, a escolha. Sem regra, contudo, não há cooperação e, sem a cooperação entre seus diferentes órgãos e células, a Ecclesia não se manifesta. Por isso, a Assembleia se submete à regra, sempre de maneira reflexiva e livre. “A letra mata, mas o Espírito vivifica” (2 Cor 3:6).  Também é por esse motivo que pessoas que não estejam completamente cientes da escolha que estão fazendo não são trazidas para a Igreja.

44. Como a Liberdade se relaciona com a Gnose?

Muitas vezes, a natureza serviu à humanidade como uma importante fornecedora das respostas necessárias à sobrevivência. Isso se refere às propensões instintivas que, diante das mais diversas necessidades, fornecem ao homem um repertório comportamental eficiente para o enfrentamento das mais diversas situações e adversidades. Contudo, a consciência humana se consolidou quando o homem se afastou e se opôs aos instintos, ou seja, se afastou e se opôs à natureza e à perpetuação das respostas-prontas que eram por ela fornecidas. O afastamento do homem da esfera do instintual produziu incertezas na justa medida em que produziu a possibilidade de que caminhos divergentes pudessem ser percorridos. A consciência, então, foi investida da pesada obrigação de proporcionar o que a natureza até então concedia a seus filhos: decisões seguras, inquestionáveis e inequívocas. Quando a consciência emerge, o homem tenta e opera contra a natureza, comete o pecado original e passa a não mais estar preso aos ditames naturais. Isso não significa, entretanto, que o homem se apartou definitivamente da natureza, mas que, possuindo o conhecimento dos deuses, conscientia peccati, o homem passa a ser responsável por suas próprias escolhas e a precisar lidar com a possibilidade do erro – coisa para a qual ainda não estava preparado e na qual, ainda hoje, engatinha. Não tardou muito para que a humanidade procurasse se abrigar em diferentes culturas e, consequentemente, em diferentes mores, com o intento de nelas encontrar respostas-prontas que pudessem se substituir àquelas que eram provenientes da natureza. Desgarrar-se da confortável adesão à mentalidade coletiva é um exercício necessário que muitas vezes confunde por sua semelhança com “atentados” contra a comunidade. Contudo, agindo dessa maneira, o homem obriga-se a novamente estar aberto à possibilidade de errar e, apesar de toda a incerteza, torna-se capaz de sentir a solidez do que existe e a continuidade de seu Ser, tal como ele é. Da perspectiva iniciática e gnóstica, os homens são questões colocadas ao mundo e devem fornecer suas próprias respostas, afinal, caso contrário, estariam reduzidos às respostas que o mundo lhes der.

45. Qual a origem da Liberdade?

Na teologia da Igreja do Graal, a Verdade e a Liberdade são apresentadas como provenientes da LUZ que, por sua vez, também possui uma conotação bastante especial.

46. Qual, então, a origem da Luz?

A Luz é produzida a partir do encontro, em um mesmo Logos, do CRISTO e da SABEDORIA – do AMOR e da VIDA. É por essa razão que um ditame tradicional rememora de que, na Ecclesia, encontra-se tanto a Verdade do Amor, aquilo que une a Assembleia, quanto a Liberdade, que é provida pela Sabedoria da Vida Eterna.

47. O que pode ser dito a respeito do arcano da presença da Luz no quadro geral do cosmos?

O encontro de Cristo, o grande agente ígneo cujas amorosas chamas unem e ordenam em um todo harmonioso todos os elementos do universo, com Sophia, a vida universal ou a Anima Mundi, que penetra e anima todos os elementos desse mesmo universo, demarca a formação da LUZ DO MUNDO, a manifestação do Logos no Reino outrora simbolizada pela Estrela da Manhã.

48. E o que pode ser dito a respeito do arcano da presença da Luz no quadro particular do homem?

Por sua vez, no quadro particular do homem, o encontro do Amor com a Vida também pode manifestar Luz – desta vez, é claro, trata-se da LUZ DA SACROSANTA GNOSE, justamente a Luz cujo (re)conhecimento exige que o homem experimente e assimile aquilo que está “diante de sua face”, como dito em Tomé: “Conheça o que está diante de sua face, e o que está oculto para você ser-lhe-á revelado. Pois nada há oculto que não seja revelado”. Acresça-se que essa mesma mensagem também se encontra nos Evangelhos canônicos ou “não apócrifos”: Mt 10:26; Mc 4:22 e Lc 8:17.

49. Como se relacionam o tema do quadro particular do homem com o da natureza do mal?

A ausência da Luz da Gnose refere-se à ignorância – a fonte do Mal. Em grande parte dos mitos gnósticos, a atitude de “escondê-la no fundo do ser” (esquecê-la?), ou seja, de evitar o (re)conhecimento da existência da Alta Invisibilidade, é justamente a atitude tipificada como sendo a do tolo Demiurgo. Destaque-se a sutileza: a Luz jamais poderia deixar de estar presente no quadro geral do cosmos sob pena da dissolução da harmonia universal que sustenta o Reino; o “problema” da ausência da Luz, ou o “problema” da existência da ignorância, é um “problema” somente a ser resolvido no quadro particular do homem. Nos Evangelhos canônicos, a fonte do Mal é referenciada de maneira velada na Parábola da Luz do Mundo, na qual Yeshu adverte para que não se esconda a candeia debaixo do alqueire (Mt 5:13-16; Mc 4:21-25 e Lc 8:16-17).

50. Há semelhança entre a concepção do mal como a ausência da Luz da Gnose e a doutrina ortodoxa do mal como a ausência do bem?

De forma alguma. A doutrina da privatio boni propõe que a origem do mal é encontrada na ausência do Bem que, por sua vez, é supremo (Summum Bonum). Também não há ponte alguma a ser estabelecida entre a concepção do Mal como a ausência da Luz da Gnose e as doutrinas dualistas do maniqueísmo.

51. Mas não se poderia considerar que a ausência do bem e a ausência da Luz da Gnose seria duas maneiras diferentes de explicitar a mesma ideia?

Não. A doutrina ortodoxa vê o mal como algo externo à criação, um acidente em nada relacionado a Deus. Já o Gnosticismo vê o mal como um elemento intrínseco à criação fenomênica, sempre alicerçada em dualidades contrastantes, sendo a dualidade primordial aquela do bem e do mal. Contudo, ela se diferencia do maniqueísmo em virtude da sua visão monista da Realidade, isto é, enxerga na Realidade numênica, absoluta e incognoscível a pura unidade onde não há espaço para a dualidade. Desse modo, em certo sentido, a visão gnóstica assemelha-se ao Advaita Vedanta, filosofia hindu que vê, nas dualidades fenomênicas, tão somente uma ilusão cósmica ou Maya.

52. Como se acessa a Luz da Sacrossanta Gnose?

A Luz da Gnose é proveniente do relacionamento íntimo do homem com o Logos presente tanto no universo que o circunda quanto em seu interior. O Logos é o pórtico de entrada para os demais Éons que, como diriam os hermetistas, são acessíveis somente àqueles que alcançaram a Sabedoria do Oitavo Céu. De uma maneira bastante simplificada, a E.G.A.L. questiona a sua Assembleia: o Logos está aqui, nós estamos aqui, o que mais poderia ser necessário?

53. A E.G.A.L. enfatiza alguma perspectiva a respeito das diferenças entre os homens, tal como no gnosticismo histórico e em diferentes expressões contemporâneas da Igreja Gnóstica?

A E.G.A.L. considera a diferenciação da humanidade em seres hílicos, psíquicos e pneumáticos. Ela se distancia, entretanto, da estreita e escravizadora concepção que encontra nessa mesma divisão uma separação fatalista regida pelo destino e que a utiliza para sobrepor o poder de alguns em detrimento dos demais. Desse modo, sustenta que os homens hílicos são aqueles indivíduos que não despertaram para o Caminho e, da perspectiva tradicional, cujas vidas são sobremaneira regidas pelas redes poderosas dos Arcontes. Os homens psíquicos, por sua vez, são aqueles que despertaram e estão no Caminho. A respeito dos pneumáticos, os homens que diretamente experimentam a regência e a vida dos Éons,eles não estão mais no Caminho como os psíquicos, mas se tornaram o Caminho. Essa transposição, talvez o maior Mistério da Iniciação, demarca a importante passagem do estado de Chrestes (viajante) para o de Christos (caminho), a passagem do Saber para o Ser.

54. O que é o Logos?

A Tradição Arcana tem para si que todos os Éons foram emanados de uma mesma origem, que constitui, por si mesma, o Logos-Verbo-Criador de todo o universo manifesto. O tradicional nome IAO ABRAXAS é empregado para se referir ao Logos como o conjunto de suas diferentes expressões-emanações.

A E.G.A.L. é portadora de um importante arcano e sustenta que o Logos pode ser experimentado como um Ser e como um estado de Ser, bem como que pode ser penetrado no sentido de ser vivenciado como um Lugar – o próprio Pleroma. O Logos manifesta-se por meio de diferentes emanações, consideradas simultaneamente como Éons-Seres e Éons-Lugares e que, experimentados por meio da “caminhância”, aproximam o homem da Fonte. Cristo, sempre em conjunção com sua Sizygia, Sophia, é chamado de a “Flor do Pleroma”. Quer seja pela aproximação com o princípio-fonte, quer seja pela aproximação com o desenvolvimento último do processo emanatório, a Flor do Pleroma, o destino final da humanidade é sempre o mesmo. O Logos é Alpha & Ômega, o princípio e o fim, e também todo o caminho que flui de um desses pontos ao outro, de maneira a não mais existir diferença entre um e outro. É nesse sentido que, nos Santuários, realiza-se a Invocatio Lucis (Invocação da Luz) referindo-se a IAO, Kyrie Sabaoth, Abraxas, Sar-Ha-Olam, Chistos, L-Sophia, Alpha et Ômega… A humanidade precisa retornar à condição e ao lugar de origem.

Quando se menciona o Logos como Criador, há uma aproximação com a ideia de que a organização do mundo se deve a um Artífice distinto do Deus Inefável, mas Dele emanado. Sendo uma Mônada indivisível e possuidora de atributos incomunicáveis, Deus é o UM INEFÁVEL. A Criação, por conseguinte, não poderia vir diretamente Dele, mas somente seria possível a partir de uma primeira emanação que a filosofia platônica chamou de Duas. O Filho é o Instrumento-Demiurgo da criação, sendo a Fonte dos mundos e dos seres e ocupando um lugar intermediário entre o Inefável e a Criação. O Logos relaciona-se com o princípio primordial por detrás de toda a manifestação, sendo que o significado esotérico da palavra Logos é a representação em expressão objetiva, como em uma fotografia, do pensamento oculto. Assim, o Logos é o espelho refletindo a Mente Divina, e o Universo é o espelho do Logos, embora este último seja o “esse” [ser] daquele Universo.

No Apócrifo de João, narra-se que o Espírito, o Deus Inefável, bebeu da água-luz do poder da vida e, pelo poder do pensamento, emanou Barbelo, sua contraparte feminina. Entre o Espírito e Barbelo irradiou-se pura luz e, dela, uma faísca denominada Autogenes, o Cristo. Autogenes preserva a androgenia e, de si, emana quatro ajudantes chamados Luminárias: Harmozel, Oroiael, Daveithai e Eleleth. Por sua vez, cada uma das quatro Luminárias emanou quatro novos seres, sendo a Sabedoria a última emanação de Eleleth. O mito narra como Sophia emanou de si uma criatura imperfeita e feia, com corpo de serpente, cara de leão e olhos de fogo: Ialdabaoth, o Demiurgo. Depois de emanado, Ialdabaoth é lançado para fora do Pleroma e escondido por uma espessa nuvem que, logo, é superada e rompida. Nesse processo, doze Arcontes são por ele emanados, bem como o reino material emerge. Em um determinado momento, Ialdabaoth vê a imagem do Espírito refletida nas águas materiais e, com o que compreendera em sua ignorância, engendrou a forma humana. Por sua vez, compadecida pela criatura sem vida recém-engendrada, bem como seguindo as orientações do Espírito e de Barbelo, Sophia sopra em Adão, dando-lhe o espírito de vida. Ennoia, uma das quatro emanações de Deveithai, é então enviada para auxiliar a humanidade, que, tendo superado Ialdabaoth em sabedoria, mas não em poder, já não tinha mais lugar junto ao pretensamente paradisíaco Éden.

Olhando para essa narrativa, no Espírito e em Barbelo encontra-se o Monas Inefável. Autogenes é, por sua vez, o Logos-Fonte a partir do qual as Luminárias e todos os demais Éons foram emanados. Do último dos Éons, Sophia, é emanado Ialdabaoth, bem como a espessa nuvem que dará origem aos Arcontes que regem a materialidade e a própria substância material. Uma vez que a matéria é reorganizada pelo Demiurgo, Sophia se insere na criação fornecendo a Vida.

A E.G.A.L. propõe o entendimento de Ialdabaoth como um instrumento do próprio Logos e, dessa maneira, se preserva de ser aprisionada na perspectiva pessimista condenatória que vê a humanidade presa na materialidade.  Essa via mais otimista, bem como a ideia central do casamento da Sabedoria-Vida com o Cristo-Amor, dá sentido à afirmativa de que a Luz da Sacrossanta Gnose se manifesta, no mundo, como a Luz do Mundo. Ennoia, o Éon do Pensamento Iluminado, se aproximou em auxílio da humanidade.

O Livro da Sabedoria esclarece que Sophia é um “eflúvio do poder de Deus, uma emanação puríssima da glória do Onipotente (…). Pois ela é um reflexo da LUZ ETERNA, um espelho nítido da atividade de Deus, uma imagem de Sua bondade. Sendo uma só, tudo pode; sem nada mudar, tudo renova e, entrando nas almas boas de cada geração, prepara os amigos de Deus e os profetas; pois Deus ama só quem habita com a L-Sabedoria” (7:25-28). Enquanto Anima Mundi, Sophia envolve o corpo do mundo e constitui toda a abóboda celeste.

No século XVII, Heinrich Khunrath apresentou Sophia como a mediadora do casamento alquímico que deve acontecer entre o Cristo e o homem. Mais tarde, Jacob Boheme viu nela a Luz que jorra das sombras no momento em que Deus se revela (embora a entendesse como o próprio Cristo). Virgem Celeste, ela aparece no primeiro instante da Criação e constitui o espelho no qual a Divindade se contempla. Louis-Claude de Saint-Martin considerou que Sophia participa da unidade divina, integrando as leis da criação e constituindo o espelho no qual a imaginação de Deus se reflete e se expande. Para o Filósofo Desconhecido, retomando o pensamento de Jacob Boheme, Cristo se revestiu primeiramente de um corpo glorioso para se projetar no espelho da Eterna Sabedoria, depois se fez carne no seio de Maria que, em virtude da virgindade de alma, era, de certa forma, equivalente a Sophia, ou seja, seu similar humano.

Um arcano importante é a apresentação de Sophia como redentora. Cristo, então, torna-se o redentor da redentora. Seja como for, a importância de Sophia é tamanha dentro da Tradição que ela é pensada como uma terceira doutrina fundamental da Igreja Gnóstica. Não há Igreja Gnóstica sem a sacrossanta presença do culto ao feminino divino.

Note-se, aliás, que esse mistério, embora não revelado explicitamente como aqui, encontra-se oculto na difundida compreensão de Maria como corredentora, a qual ainda não recebeu o status de dogma, mas conta com a aprovação de praticamente todos os doutores e santos antigos e modernos da Igreja de Roma.

55. O que é a Ecclesia? Como a Ecclesia se relaciona com o Logos?

A Ecclesia é teologicamente proposta como o Corpo Místico de Cristo, como sua Esposa ou Sizygia, bem como uma forma de Theotokos. Como Esposa e Sizyagia de Cristo, na Ecclesia encontra-se a presença concentrada de Sophia. Isso não significa que Sophia também não esteja presente fora da Ecclesia; mas que, mesmo Sophia sendo imanente à Criação, sua presença é concentrada na Ecclesia. Isso é importante, uma vez que representa uma grande abertura no que se refere às possibilidades vivenciais dentro da Ecclesia que, ao mesmo tempo, não ignora a possibilidade de que tais vivências possam ocorrer também fora da Ecclesia. Outra ponta deste mistério encontra-se no papel atribuído a Maria pelo cristianismo “não gnóstico”, visto que ela é também igualada à própria Ecclesia (Apoc 12) e à Arca da Aliança do Antigo Testamento (2Sm 6:2 c/c Lc 1:39).

Na mística hebraica, SHEKINAH é a Presença Divina em Malkuth (Reino). Shekinah, facilmente comparada à Sophia Achamoth (Sophia que decaiu/cindiu do Pleroma e está presente na materialidade), habita o Santuário dos Santuários do Templo, mas, não por isso, deixa de também se fazer imanente em todo o Reino.

Na Kabbalah, METATRON é o aspecto ativo de Shekinah e ocupa um lugar em relação a Shekinah que me remete ao conceito gnóstico de Sizygia. Dito de outra forma, alguns cabalistas consideram Metatron como a contraparte espiritual que complementar de Shekinah e, nesse sentido, Shekinah-Metatron formam uma Unidade. Existe pouco consenso acerca da origem do nome Metatron. Interessantemente, alguns afirmam ser uma derivação de Mithra. Ele também aparece como Anjo do Senhor e como Alma do Messiash – conceito semelhante ao do Espírito Recorrente Octonário, Hely. A ele, são atribuídos os títulos de SAR-HA-HOLAM, Príncipe do Mundo; SAR-HA-OAM, Anjo da Paz; KOHEN-HA-GADOL, Grande Sacerdote; SAR-HA-GADOL, Príncipe da Clemência ou da Cavalaria Celeste; e SAR-HO-PANIM, Príncipe das Faces. Como Príncipe do Mundo, foi assimilado com Samael, uma de suas Faces escuras. Como Príncipe da Cavalaria, foi assimilado com Mikael, uma de suas Faces claras. Como Grande Sacerdote, foi assimilado com Melquisedeque.

Metatron, principalmente devido à sua estreita ligação com o Livro de Enoque, também é muito associado ao Esoterismo, ao Cristianismo Oculto e às figuras angélicas que trouxeram a Luz do Conhecimento para a humanidade, que carecia em miséria. Torna-se claro como, tratando-se de Metatron, é bem acertado o título de Sar-Ho-Panim. Ainda cabe a consideração de que, quando Metatron é unido com Shekinah, sua contraparte mais próxima da materialidade, depara-se com a mesma ideia que perpassa a concepção do Duas – do Logos.

É no mínimo interessante a próxima correlação existente entre os pares de Shekinah com Metatron e Sophia com Cristo. Em ambos os pares, depara-se com seres essencialmente femininos que habitam imanentemente a criação material – a Natureza Visível e Invisível (Anima Mundi, ou Alma do Mundo). Também em ambos os pares, depara-se com seres essencialmente masculinos, um pouco mais afastados da criação material, que complementam suas contrapartes materiais. Da reunião dos pares, ou seja, da reunião da matéria visível-invisível com o espírito, em ambos os casos se tem a mesma FONTE-PRINCÍPIO, ou seja, o Logos.

Os Evangelhos estabeleceram fortes paralelos entre Cristo e Sofia: quando Cristo faz uso do pão e do vinho, ecoa o chamado de Sophia: “vinde comer do meu pão e do vinho que misturei” (Pr9,5), e na última ceia, em seu chamado para comerem de seu corpo e beberem de seu sangue, ecoa o chamado de Sophia em Sirácida (Eclesiástico): “vinde a mim, vós que me desejais, comei e saciai-vos da minha safra… aqueles que de mim comerem nunca mais terão fome, aqueles que de mim beberem, nunca mais terão sede (Eclo 24:19,21). O próprio Paulo equipara Cristo e Sophia, chamando Cristo de “a sabedoria de Deus” (1 Cor 24). Sophia, então, é o mesmo que Logos, o princípio de consciência, o “eu” transcendental que tem a experiencia do mundo em nós e por nosso intermédio. Esse paralelo era explícito nos primeiros anos do Cristianismo. O historiador da Igreja, Eusébio, do século IV, escreve: “na verdade, este é um Ser vivo, que existia antes do mundo, e assistia ao Pai e ao Deus do universo à imagem do qual tudo foi criado, ou seja, a Palavra e a Sabedoria de Deus”. Porém, mais tarde, a identificação do Logos com Sofia ficou oculta e praticamente se perdeu. O Logos passou a ser sempre mais identificado com o Jesus histórico que era do sexo masculino. Consequentemente, acreditava-se de que a Sophia feminina tinha que ser algo diferente – mas o que era exatamente se tornou cada vez menos claro, e Sophia acabou se tornando uma figura sombria.

Alguns mitos gnósticos unem explicitamente o consorte de Sophia a Cristo. Em outro texto, o Pistis Sophia, é o Cristo que possibilita a libertação de Sophia. Nesses contextos, as duas figuras míticas significam dois impulsos profundos na consciência. Sophia representa a parte propensa a imergir no mundo e a ser subjugada por ele, a parte que se rende indiscriminadamente à sua própria experiência; por essa razão, alguns gnósticos a chamaram Sophia Prunikos: Prostituta Sabedoria. Cristo, em contraposição, é a parte que permanece livre e possibilita a total libertação por meio da gnose. Nesse ponto, os gnósticos diferem da tradição esotérica convencional, que equipara Cristo ou o Logos a Sophia, e na qual o descenso de Cristo não é uma queda, mas um ato redentor. Mesmo assim, certos textos gnósticos representam o aspecto dual da consciência residindo na própria Sophia. No texto Nag Hammadi conhecido como The Thunder: Perfect Mind, uma figura sem nome, que evidentemente é Sophia, proclama: “eu sou o conhecimento e a ignorância”. Portanto, a consciência primordial contém, ao mesmo tempo, o impulso em direção à sua própria queda e à própria libertação. Seu movimento dual – interno, em direção a unidade, e externo, em direção a manifestação – fornece e impulsiona a essência do cosmo.

Retomando a consideração de que, na Ecclesia, encontramos a presença concentrada de Sophia, soma-se a seguinte afirmação doutrinária: quando duas ou mais pessoas se reúnem em nome de Cristo, Cristo faz-se presente – ou seja, Cristo manifesta-se quando a Assembleia se reúne na Ecclesia. Ou, partindo de outro ângulo, durante os Sacramentos e as celebrações litúrgicas, o Sacerdote perfaz o Ministério de Cristo – ou seja, durante os Sacramentos e Liturgias, o Sacerdote manifesta a presença de Cristo. Em ambos os casos, uma mesma constatação torna-se nítida: na Ecclesia, Cristo e Sophia fazem-se presentes.

56. Por qual razão a letra L as vezes é posta diante de alguns nomes na E.G.A.L.?

Na Tradição encarnada na E.G.A.L., em textos escritos, muitas vezes há a letra L antes dos nomes de Cristo e Sophia. O L demarca a compreensão típica da Doutrina Emanacionista de que L-Cristo e L-Sophia, assim como uma infinidade de outros Seres Espirituais que podem ser concebidos, acessados e vivenciados, são expressões distintas de uma mesma fonte-origem. Ainda que se escolha o L, esse mesmo conceito também poderia ser bem expresso através de nomenclaturas diferentes, dentre as quais o nome sagrado de IAO ABRAXAS. Abraxas, ora visto como o nome de Deus, como Demiurgo, como Arconte, como Eon ou como Governante das diferentes Emanações Pleromáticas, denota de maneira muito especial a unidade do Logos (L) presente na multiplicidade emanacionista dos Seres e das Realidades. Outras nomenclaturas, tal como a do Pleroma, dão ao Logos o sentido de ‘Lugar’ e de ‘estado de Ser’, e isso também deve ser observado.

57. O que é dito a respeito da importância do encontro das partes?

De acordo com a tradição da Igreja do Graal, a Luz da Sacrossanta Gnose, o hálito espiritual que nutre a nossa alma e a protege do mal da ignorância, refere-se ao produto do casamento divino do Amor ígneo de L-Cristo com a Vida aquosa de L-Sabedoria. Essas considerações são mais do que apenas elocubrações simbólico-mitológicas, mas, na realidade, velam por um arcano prático de nossa Tradição. Como um sinal externo desse processo, os membros da Igreja costumam ter, ao menos uma taça com água e uma chama acesa em seus santuários domésticos.