Catecismo Gnóstico E.G.A.L./E.GRAAL 01 – Tradição

TRADIÇÃO

  1. O que é a Igreja Gnóstica da Luz Eterna?

Segundo sua Epistola Fundationis, o nome Ecclesia Gnostica Aeternae Lucis, E.G.A.L., alude a um veículo físico, religioso e iniciático que perpetua (i) a memória da Tradição Cristã Prístina em seu molde místico-gnóstico otimista e (ii) o ministério sacerdotal, em conformidade com a Ordem de Melquisedeque, dos Sacramentos da Sacrossanta Gnose e das Liturgias Esotéricas.

2. Qual a origem da Igreja?

Herdeira de múltiplas afiliações e linhagens espirituais e apostólicas, a Igreja dos Iniciados mantém especial sintonia com as tradições cavaleiresca e rosacruciana, bem como com diferentes frutificações da Filosofia Hermética. A E.G.A.L. é um veículo independente e soberano que se insere dentro da tradição das Igrejas Autocéfalas e dos Bispos Vagantes (Episcopus Vagans).

Apesar de sua rica herança, a E.G.A.L. se apresenta abertamente tão somente como herdeira da linhagem espiritual da Igreja Gnóstica Francesa e da Sucessão Apostólica Síria-Jacobita, que nela foi introduzida por Sua Beatitude Tau Jean II. Trabalhamos com máxima discrição e isso nos preserva das más intenções de indivíduos que não mantém pureza nos propósitos da busca espiritual.

3. O que se quer dizer por “Igreja dos Iniciados”?

Por um lado, os portais da E.G.A.L. estão abertos, sempre sob convite, àqueles que estão introduzidos na Senda da Iniciação. Por outro, a E.G.A.L. concilia em seu seio a religiosidade e a iniciação.

4. Qual a natureza da Iniciação dentro da Ecclesia?

A Iniciação na Ecclesia é a Iniciação nos Mistérios do Logos – nos Mistérios do Cristo e da Sabedoria. A Tradição ensina que a Iniciação do Logos pode ser realizada por vias bastante diferentes. Por influência do conhecimento Arcano contido nas representações simbólicas do Tarô, as diferentes vias são simbolizadas por diferentes espadas, utilizadas para assinalar o tipo de relacionamento sustentado entre o Iniciado e o Logos.

5. O que mais pode ser dito a respeito destas diferentes vias da Iniciação nos Mistérios do Logos?

A primeira via é chamada de “caminho dos fortes”. Nela, o Iniciado aponta sua espada contra o Logos e o desafia. Esse é um duro caminho de desidentificação com o mundo e com a divindade nele presente, um caminho sobremaneira marcado por um doloroso despojamento.

Na segunda via, a ponta da espada segue para a direção oposta e se volta contra o próprio Iniciado. Trata-se de um caminho mais próximo do ascetismo e, apesar desse método não ser restrito a essa via, esse caminho muitas vezes se aproxima do método negativo. O método negativo é aquele no qual não se procura conhecer o que o Logos é, mas somente o que Ele não é, de forma que a União se processe na mais absoluta sustentação da ignorância.

Enfim, na terceira via, o Iniciado segura a espada com sua ponta orientada para baixo e é precisamente com essa a via com a qual a Tradição da E.G.A.L. mais se afina. Nesse caso, a espada será iluminada pelo Logos, de sorte que a sua sombra projete uma cruz no peito do Iniciado e que o Iniciado se torne o Graal receptivo ao Divino Sangue. Esse é o caminho do Serviço, que muitas vezes se manifesta dentro do sacerdócio e do ofício da ordem de cavalaria, mas que também deve se expressar indistintamente nas ações de todos os membros da Ecclesia dos Iniciados.

As diferentes vias são adotadas pelos INICIADOS, que deliberadamente tomaram a decisão de se entregar ao Caminho, no processo de Iniciação aos Mistérios do Logos. Apenas um Iniciado nos Mistérios Menores é capaz de sustentar a espada, não importando a direção para a qual ela será apontada. O desfecho que aqui se almeja é justamente a entrada nos Mistérios Maiores.

6. Qual a natureza do método iniciático empregado na terceira via da Iniciação nos Mistérios do Logos?

A natureza é a do ensinar um modo pelo qual podemos aprender e, a partir do que aprendemos, desenvolver um tipo de sabedoria prática necessária para que possa haver verdadeira consecução espiritual.

7. No seio da E.G.A.L., qual o nome empregado para se referir a esse método?

Dez Reconhecimentos do Discípulo.

8. O que compõe os Dez Reconhecimentos?

Cinco Artes e cinco Disciplinas.

9. O que é necessário para se fluir na corrente da Iniciação?

Confiança e constância. Uma vez que o caminho é escolhido, a menos que se assuma a desistência de percorrê-lo, é imprescindível que cada um se certifique de verdadeiramente o estar percorrendo.

10. Como a Iniciação se relaciona com a Vocação?

“Vocação”, de “vocare” (chamar), é o termo que é empregado nos Santuários da Gnose para fazer referência ao chamado que coloca homem no Caminho que o aproxima da Iniciação Real. A Vocação nem sempre aproxima os impetrantes do sacerdócio religioso, mas impulsiona na necessária decisão a respeito de percorrer a senda que os colocará em contato direto com a Alta Invisibilidade. O Iniciado é justamente aquele que escutou o chamado e se engajou na Demanda.

11. O que é a Grande Demanda?

“Grande Demanda” é um termo que a E.G.A.L. herdou dos Irmãos do Oriente e denota o “objetivo”, também referido por Reintegração dos Seres, Idade do Espírito Santo, etc. “Demanda” possui significação dupla: refere-se tanto a uma busca, uma diligência, quanto à manifestação de um desejo, de uma solicitação. O “Fato Místico” atesta a origem divina da Grande Demanda que, então, caracteriza-se pelo entendimento e pelo comprometimento com o que é percebido como uma necessidade. A E.G.A.L. compreende a Mística como um início e a Gnose como um meio para a consecução do objetivo – a transformação do mundo.

12. O que é a Tradição Prístina?      

Por Cristianismo Prístino, os escritos da E.G.A.L. indicam a Tradição Cristã Arcana que é anterior à institucionalização e, algumas vezes, à própria distorção do dogma. Essa Tradição está, ela mesma, ancorada em veias ainda mais antigas, que se confundem com a própria Tradição Primordial. Ao se afirmar herético-esotérica, a E.G.A.L. explicita sua formação identitária enquanto uma forma de resistência ao esquecimento e à perda dos princípios essenciais da Tradição Prístina. Sob esse aspecto, o sentido exato da palavra episcopus, do grego episkopos, guardião, reflete perfeitamente a ideia de que os guardiões de uma Tradição precisam lembrá-la incansavelmente, resistindo a que o passar do tempo e a decadência espiritual levem-na a perder-se irremediavelmente.

13. O que é a experiência mística, cujo processo muitas vezes é referido pelo vocábulo Misticismo?

A palavra Misticismo é empregada para fazer referência à via do movimento ordenado, muitas vezes caracterizado por etapas, que propicia o acesso consciente ao Logos ou aos diferentes “mundos espirituais” (o “paraíso” sempre denotou simultaneamente um lugar e um estado de alma).

A Igreja Gnóstica propõe uma via pela qual a compreensão espiritual acontece por uma via consciente e direta. Esse processo, não sem o enfrentamento de enormes dificuldades inerentes à limitação humana, pode ser ensinado. Nesse caminho, o processo é a ação que cria o objetivo. Nele, a pureza é essencial e a direção clara é uma necessidade.

A via direta que determina a experiência mística, que já foi chamada de Teosofia Cristã e de Iluminismo Cristão, também é conhecida como Santa Ontologia do Ser. Nos Mistérios Cristãos, o Ser é o Logos e a Santa Ontologia do Ser equivale à própria ontologia do ser.

14. O que é a experiência da Gnose?

A palavra grega para conhecimento (Γνωσις, gnosis) cunhou o termo gnosticismo (Γνωστικισμóς, transliterado gnostikismós). A Gnose, entretanto, não se refere a um tipo de saber racional de natureza científica, ou mesmo a um saber filosófico da verdade, mas a um conhecimento que brota no coração de forma misteriosa e intuitiva (aqui, por intuitivo, aludimos ao Intelecto na sua acepção neoplatônica). É por essa exata razão que, no Evangelho da Verdade, esse tipo de conhecimento é chamado de Gnosis Kardias – o conhecimento do coração. A Gnose é encontrada, simultaneamente, no interior do ser e no exterior – na lumen naturae, a Luz que se aproximou da matéria. Por essa razão, a maioria dos antigos mitos gnósticos credita à Eterna Sabedoria ter inserido no homem, tal como no quadro universal da criação, a possibilidade da experimentação desse tipo especial de conhecimento. A correta compreensão desta preposição transfere o foco do trabalho espiritual para o âmbito da percepção.

15. Qual o grande efeito oriundo da experiência gnóstica?

A GNOSE É LIBERTADORA. Conforme Felipe, “a ignorância é escravidão, a Gnose é Liberdade”.

16. O que a E.G.A.L. pretende ao se apresentar como afinada com a perspectiva otimista do molde místico-gnóstico da Tradição Cristã Prístina?

Tal afirmação simplesmente significa que a E.G.A.L. conserva uma forma particular de compreender o Demiurgo e a relação dele com o Inefável e que, em decorrência disso, não condena a matéria, tampouco o corpo. A E.G.A.L. não se afina com o comportamento que procura deslocar a espiritualidade do mundo e encontra na Anima Mundi uma possível imagem para a Grande Redentora que habita dentro do ser e em seu entorno. Em termos gerais, podemos dizer que a noção que a E.G.A.L. tem do Demiurgo assemelha-se àquela ensinada por Platão no Timeu.

17. Como as experiências mística e gnóstica se relacionam com a Filosofia Hermética?

A experimentação do Fato Místico equivale a tatear o mundo espiritual. Por sua vez, a experimentação gnóstica é associada ao sentido da audição. Nesse caso, a audição é uma consequência direta daquilo que foi tateado. Isso significa dizer que a Gnose é um fruto daquilo que é diretamente experimentado. Por sua vez, as diferentes veias da Filosofia Hermética são propostas como desdobramentos da experiência gnóstica, tal como o Hermetismo Ético é proposto como sendo alimentado tanto pela experiência mística, quanto pela gnóstica.

18. O que a Tradição chama de Antigas Observâncias?

Nas Antigas Observâncias, depois do chamado, os Iniciados constroem determinada relação com as realidades espirituais de maneira a poderem dialogar e exercer influência sobre seus habitantes sem deles se tornarem presas. Os transes que possibilitavam o voo mágico são comuns, bem como a ascensão aos céus, o mergulho nos mundos inferiores, o conhecimento sobre o poder das plantas, a maestria sobre o fogo e os demais elementos e a capacidade de viajar pelos mundos para localizar as almas perdidas e, em seguida, com elas retornar para a terra da vida. As Antigas Observâncias são encontradas nas Tradições Judaica e Cristã, por exemplo, quando Moisés foi diretamente guiado pelo mais alto dos anjos, o Príncipe da Presença, tendo aprendido a arte da cura com Yahweh, e quando Yeshu (Jesus) caminhou no Céu e no Inferno antes de ascender tal como havia acontecido com Elias e Enoque. Importantes Profetas, presentes tanto no judaísmo, quanto no cristianismo, lado a lado com os sacerdotes, também vivenciaram semelhante vocação, sendo diretamente chamados por Deus para a proteção das tribos das ações dos espíritos adversos. Algo semelhante também é observado na Merkavah, ou tradição Hekhalot, em que, pelo poder dos nomes divinos e de palavras de poder inteligíveis, a conversação com os anjos por meio da ascensão por diferentes palácios e a maestria da Torah por meio da Santa Teurgia são alcançados. Em alguns pontos, torna-se difícil distinguir essa tradição daquela dos pais primevos da Gnose dos primeiros séculos que ascendiam pelos diferentes Éons, pelas diferentes Hostes, e se aproximavam da Sacrossanta Gnose pela Obra Divina.

19. Como as Antigas Observâncias e o Sacerdócio se relacionam?

Os sacerdotes sempre foram membros da elite governante em grande parte das culturas e sua posição muitas vezes era determinada mais por questões próprias da descendência sanguínea do que pela contraparte da via religiosa do Chamado da Iniciação. Ademais, encontraríamos pouca diferença entre a corte real e o sacerdócio. Muitos reis foram, eles mesmos, os altos sacerdotes das religiões locais. Aqui, há um mistério cujo véu poderá ser levantado noutra ocasião: a função dupla de rei e sacerdote, ancoradas e prefiguradas em Melquisedeque, foi posteriormente dividida, dando margem a toda sorte de erros.

Em diferentes momentos e em grande parte das culturas, muitas vezes por motivos políticos, a Antiga Observância passou a ser substituída por aquela dos sacerdotes que serviam a um deus, que conclamavam sua influência para o mundo e que cuidavam de seu relacionamento para com a população. Nesse processo, o trabalho dos que ouviam o chamado, outrora realizado em conjunto com os seres do mundo espiritual que estavam sob sua influência, passou a dar lugar a um tipo de ofício especialmente orientado para a deidade local. Temos que a obra de um sacerdote, grande parte das vezes, se orienta mais proximamente da arte da ritualização, do exorcismo e da invocação da influência divina do que do conhecer e do andar nos outros mundos na companhia de outros seres. Ele trabalha para resgatar a alma perdida de um indivíduo doente, mas, geralmente o faz sem penetrar em outros reinos pelo voo da ascensão ou pelo mergulho do descenso. O sacerdote é o mestre e os espíritos são tal como servos, uma vez que ele age sob a autoridade de seu deus, que é reconhecida pelos demais. De todo modo, tal como nas antigas observâncias, sua principal função continuou sendo a de agir como o representante de sua comunidade nas relações com o sagrado. O sacerdote é o servo do Altar, o melhor conhecedor do ritual e o mestre permitido para o sacrifício. Ele dirige a devoção da comunidade que o cerca, se torna um líder social e um pilar de força, guiando-a em situações emocionais que não estão sob o controle humano e tendo especial participação em importantes passagens cíclicas da vida de um indivíduo (nascimento, puberdade, casamento, morte, etc.).

No que tange ao Sacerdócio dentro de uma organização tradicional e iniciática como a E.G.A.L., elementos das Antigas Observâncias são preservados, perpetuados e ganham grande relevância.

20. O que é o Direito de Sucessão?

No Direito de Sucessão, uma cadeia sucessória cronológica é identificável. Em uma ponta da cadeia, encontramos um Homem-Deus, um Hierofante dos Mistérios ou um Grande Iniciado – aqueles que souberam receber a Luz do Invisível. Na outra, encontramos os elos mais novos, ainda vivos. No caso do sacerdócio, o Direito de Sucessão decorre de os sacerdotes guardarem a sabedoria secreta de seu Deus e deverem se assegurar de que os Mistérios serão perpetuados para as futuras gerações de Iniciados.

Se, por um lado, cada sacerdote se compromete com a transmissão da tradição, por outro, ele também possui determinado tipo de poder, a essência da autoridade divina que é reconhecida pelas outras forças, que de igual modo deve preservar e transmitir aos herdeiros escolhidos. Na Arte do Sacerdócio, o primeiro passo é justamente aquele em que essa autoridade, muitas vezes codificada tal como na hierarquia real, é recebida e isso usualmente ocorre por meio de um tipo de casamento espiritual entre o humano e seu deus.

21. O que é a Ordem de Melquisedeque?

… tu es sacerdos in æternum secundum ordinem Melchisedech

Oriunda dos Salmos, há séculos essa frase ecoa em um momento tão solene quanto santo, em diferentes Santuários espalhados pelo globo, quando alguém devidamente vocacionado e preparado é elevado, segundo o modelo de Melquisedeque, à condição de Soberano e Pontífice, Rei e Sacerdote.

A Liturgia Gnóstica da Luz Eterna aproxima o Sacerdos Primordialis do Grande Metatron. No Gênesis, o encontraremos como aquele que pediu o pão e o vinho para abençoar Abrão. Nos demais textos bíblicos, mais especificamente na Epístola aos Hebreus, uma analogia também é claramente estabelecida entre o Rei de Salém e o próprio Cristo, o Sumo Sacerdote da Ordem de Melquisedeque. No sentido esotérico da Augusta Ordem, há importante reflexão acerca do motivo de Meleki Tsedeq, o “Rei de Justiça”, governar sobre Salém, o “Reino da Paz”.

Da perspectiva rosacruciana tradicional, o Reino da Paz é localizado no exato ponto de equilíbrio dos triângulos primordiais dos Anjos e dos Homens, da Água e do Fogo e, desse conhecimento, depreende-se a razão profunda para o casamento da Realeza com o Sacerdócio. Desse local, a Tradição Primordial e a Luz da Sacrossanta Gnose são dispensadas para o mundo e para os homens que souberem recebê-las. O locus da Tradição Primordial, onde os Desígnios do Logos são conhecidos, já foi referido por muitos nomes.

Alguns dos Patriarcas Gnósticos anteriores encontraram no texto do Pistis Sophia o coração de seu ministério. Apesar de não o ter em máxima centralidade, a E.G.A.L. guarda pelo Pistis um grande apreço. Tanto é assim que é justamente nele, e justamente em passagens que se referem a Melquisedeque, que indícios a respeito da tradicional origem de sua denominação podem ser encontrados. No Pistis Sophia, Melquisedeque é apresentado como o Grande RECEBEDOR da Aeterna Lux. Por ele e do lugar por ele habitado, a Luz Eterna é recebida e distribuída para o mundo. “Melquisedeque é o mensageiro de todas as luzes que são purificadas nos regentes, conduzindo-as para o Tesouro de Luz”, testemunha o Pistis.

22. O que é a Sucessão Apostólica?

Na Igreja nascente, Yeshu é designado Sumo Sacerdote da Ordem de Melquisedeque e é todo o povo crestão que participa deste sacerdócio do Cristo. Nesse momento, os Apóstolos e aqueles por eles nomeados são aqueles que presidem a liturgia do pão e do vinho nas reuniões das assembleias. Yeshu havia dito a eles: “o Espírito Santo descerá sobre vocês e dele receberão força para serem minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra”. E, de fato, o testemunho passou a se alastrar até os extremos do mundo então conhecido.

Do ponto de vista da histórica eclesiástica, já no primeiro século, encontra-se nos primórdios da Igreja a consciência de uma função sacerdotal que, justamente, encontrou no rito do pão e do vinho da antiga Ordem de Melquisedeque o eixo mais fundamental. A função sacerdotal surge por força da celebração eucarística entendida como sacrifício não-cruento e graças à ideia de que quem a preside exerce uma função sacerdotal. Os ministros da Igreja, que segundo Clemente eram constituídos de guias (hegoumenoi), vigilantes (episcopoi) e anciãos (presbiteroi), agiam como chefes do povo de Deus, conduzindo-o ao culto agradável aos olhos do Altíssimo.

Para se compreender o modo como o Direito de Sucessão se processou e se desenvolveu na Sucessão Apostólica, deve-se ter em conta a questão da presidência da eucaristia. Os Bispos e Presbíteros ligaram-se aos Apóstolos em conformidade com laços hierarquizados e, então, a Igreja é considerada como apostólica. Olhando-se para a questão desde uma perspectiva tradicionalista, os Bispos sucedem diretamente aos Apóstolos (“enviados”) no que concerne ao exercício da função apostólica, sobretudo a de ser sinal de unidade eclesial em Cristo. Eles detêm, portanto, direito sobre a Sucessão Apostólica. 

Pela sucessão dos Bispos a partir dos Apóstolos, a ortodoxia cristã procurará se assegurar da fidelidade ao Cristo por meio da ininterrupta transmissão da doutrina que é compreendida como verdadeira. Desde a perspectiva esotérica da Igreja dos Iniciados, a boa nova da amálgama entre o Direito de Sucessão dos Bispos do Christos e a sagrada herança legada pelos Apóstolos alimenta a Igreja, fazendo dela não apenas legítima herdeira dos Altos Mistérios, mas também uma extensão visível ligada ao Centro invisível aludido pela Ordem de Melquisedeque.

23. Quem são os Bispos Vagantes, ora referidos como aqueles que compõem o Movimento Sacramental Independente?

A tradução em português para a expressão latina “Episcopi Vagantes” (plural do singular episcopus vagans) é bastante complicada. Na maioria das vezes, os Bispos Vagantes são simplesmente compreendidos como “perdidos”, heréticos, desgarrados, aqueles que foram consagrados de forma clandestina, que foram excomungados e não mais atuam em comunhão com nenhuma diocese. Ainda que palavras como “errantes” ou “perdidos” sejam costumeiramente adotadas para a tradução de “vagans”, procurando velar pela compreensão esotérica mais profunda acerca desse tema, a E.G.A.L. insiste na escolha da palavra “vagante” ou, alternativamente, “caminhante”. Desse modo, honrando os ensinamentos que nos foram transmitidos pelo Eques AAF, a Igreja dos Iniciados vela pelo entendimento que, em última análise, é um importante alicerce da própria práxis iniciática herdada.

Os Bispos são a fundação dos mistérios e dos Sacramentos e assumem a missão da transmissão da Graça de Deus dentro da Igreja. A Igreja entende o sacerdócio como uma vocação – ou seja, os homens e as mulheres escolhidos para o sacerdócio são chamados pelo Espírito Santo.

Cipriano enfatizou que os Bispos são os sucessores dos Apóstolos e legítimos intérpretes da Tradição Apostólica. Conforme esse pensamento, se um Bispo discorda da Tradição ou de seus companheiros Bispos, então ele não conserva unidade com a Igreja e remove a si mesmo da Graça. Ou seja, um Bispo somente é Bispo enquanto em comunhão com os demais Bispos, enquanto ensinar a fé apostólica, de forma que, se não conservar a unidade com a Igreja, ele perde a autoridade de agir como Bispo.  A concepção de Cipriano ainda hoje é observada nas Igrejas do Oriente.

Quanto ao Ocidente, aproximadamente 150 anos depois de Cipriano, Santo Agostinho tornou-se a grande referência e autoridade acerca do tema da transmissão válida da sucessão apostólica no ministério episcopal. Para ele, o caráter de uma consagração deve ser avaliado, a fim de se determinar a VALIDADE da transmissão. São quatro os critérios observados: 1. Forma (a consagração deve ser pública para ser considerada válida); 2. Matéria (a consagração deve observar a aposição de mãos para ser considerada válida); 3. Ministro (o Bispo consagrador deve ter sido anteriormente consagrado de maneira válida dentro da Sucessão Apostólica); e 4. Intenção (a intenção da aposição de mãos deve ser consagrar na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica e ambos os Bispos, consagrador e consagrado, devem comungar da intenção de ensinar o que a Igreja tem sempre ensinado). Para essa perspectiva, o episcopado assemelha-se a uma possessão pessoal e, uma vez Bispo, sempre Bispo – independentemente de se permanecer em comunhão com a Igreja ou não. Aqui, uma distinção é traçada entre autoridade (relacionada a uma jurisdição) e habilidade (a recepção do Sacramento da Ordem): o Sacramento da Ordem dá ao Bispo a habilidade de ser Bispo – por via da ação do Espírito Santo, fornece a habilidade de levar a assembleia ao Corpo de Cristo, mas, em contrapartida, somente a Tradição, por meio de seu Sínodo de Bispos, pode garantir ao Bispo a autoridade de liderar uma jurisdição.

Para ambos, Cipriano e Agostinho, um Bispo é feito somente na Igreja e para a Igreja e é o Espírito Santo que faz o novo Bispo durante a administração do Sacramento. Para além da questão da validade, para os Católicos Romanos, um Sacramento também pode ser avaliado sob os prismas da sua licitude e da sua regularidade. A consagração é considerada lícita se ela segue as regras gerais da Igreja para a condução do Sacramento e é considerada regular se o impetrante for elegível para a recepção do Sacramento de acordo com as regras da Igreja. Dessa maneira, um Sacramento, por exemplo, pode ser válido, mas ilícito e irregular.

Os pormenores aparentemente desinteressantes do direito canônico são importantes não apenas para a compreensão da tradição dos Bispos Vagantes, mas também por esclarecerem de maneira incontestável a inserção da comunidade da E.G.A.L. – fundada, simultaneamente, com a benção de um Patriarcado e com a permissão de um Sínodo de Bispos regulares – dentro do esquema geral das sucessões apostólicas. 

Os Bispos Vagantes possuem a habilidade, mas não uma jurisdição que limite seu campo de atuação – uma dinâmica muito especial criada por Santo Agostinho. Contemporaneamente, contudo, a compreensão de Agostinho foi desenvolvida quanto à questão de troca de sucessões e algumas outras questões. As regras para a consagração episcopal são as seguintes:

  1. A comunidade determina a validade de seus sacramentos;
  2. Uma pessoa se torna Bispo na primeira consagração válida;
  3. Todo Bispo que apõe as mãos está ordenando o novo Bispo;
  4. O Bispo Pai transmite todas as suas linhagens para o novo Bispo;
  5. Bispos que trocam linhagens entre si transmitem todas as suas linhagens um ao outro.

O Colégio Pontifical da E.G.A.L.//E.GRAAL afirma-se em completa comunhão com essas regras, bem como com os costumes agostinianos e com a ênfase cipriniana acerca da importância do reconhecimento da comunidade para que o Sacramento da Ordem possa ser considerado regular em termos de jurisdição. Do mesmo modo como na Igreja Primitiva, na qual cada Bispo era “vagante”, também cada comunidade poderia ser verdadeiramente considerada como autocéfala.

24. Como as ideias de “vagância” e de “caminhância” relacionam-se com a práxis iniciática herdada pela E.G.A.L.?

A Igreja Gnóstica da Luz Eterna perpetua a Tradição Cristã Prístina, em seu molde místico-gnóstico otimista, bem como o ministério sacerdotal em conformidade com a Ordem de Melquisedeque. Tal perpetuação ocorre por meio de dois métodos distintos.

O primeiro dos mencionados métodos é chamado de Método Exterior. Ele está mais proximamente conectado ao ministério sacerdotal e, nesse campo, são encontrados todas as práticas e exercícios relacionados ao ministério dos Sacramentos, das liturgias, da prece e da teurgia. É chamado de Exterior, uma vez que é mais facilmente perceptível quando comparado com o segundo método.

Por sua vez, o segundo método é chamado de Interior e é justamente ele que justifica o preciosismo quanto à tradução do termo latino Episcopus Vagans. A “vagância”, talvez mais bem descrita como “caminhância”,[1] está especialmente afinada com a Tradição Prístina. Assim como o “paraíso” é compreendido tanto como um lugar, quanto como um estado, o mesmo é válido com relação a todos os Éons que formam a completude do Pleroma e se manifestam por meio do Logos. Se o intento é a Liberdade e a escolha que dela deriva, se é a verdadeira iluminação, os Iniciados devem realmente ser proficientes na arte de caminhar pelas diferentes realidades dos Éons. A Iluminação é bastante difícil de ser alcançada por um meio diferente deste. Essa é a “caminhância” sobre a qual se alicerça a verdadeira hierofania, uma herança das Antigas Observância. O Hierofante, ou Pontifex, segundo a nomenclatura de nossa Igreja, é aquele que CAMINHA no CAMINHO, é o CHRESTÃO, o viajante, de CHRISTOS, o Caminho, que é, por SI-MESMO, o objetivo de toda a Obra – é aquele que compreende a realidade dos Éons e consegue visitá-las e manifestá-las por meio de sua hierofania, que torna sua compreensão possível por meio da autêntica Filosofia Hermética. O Método Interno é aquele que permite caminhar com e nos Éons.

O Método Interior é assim chamado porque é percebido de maneira mais sutil quando comparado com o primeiro. É considerado como o aspecto mais frágil da Tradição e é preservado com muito cuidado para que seja corretamente compreendido. O Método Interior é “alimentado” pelo Exterior, de sorte que o segundo torna-se imprescindível para que o primeiro possa ser desenvolvido. Não há nenhum tipo de hierarquização no emprego dos termos Interior e Exterior; um e outro são totalmente complementares e necessários para a consecução espiritual pela vereda da teosofia da Sacrossanta Gnose. O segredo protege o Método Interior e ele é reservado apenas àqueles que receberam o chamado.

25. O que é a autocefalia?

A autocefalia diz respeito a questões hierárquicas. Uma Igreja ou comunidade autocéfala não se reporta a nenhuma autoridade superior à própria hierarquia estabelecida em seu seio. A E.G.A.L. herdou essa forma de organização das igrejas ortodoxas orientais.

Nos primeiros séculos, a condição de autocefalia de uma igreja foi promulgada por cânones dos concílios ecumênicos. Isso se refere ao desenvolvimento do modelo de pentarquia, no qual a organização eclesiástica deveria ser governada por cinco patriarcas, cada qual vinculado a uma vereda da tradição episcopal existente no Império Romano: Roma, Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém. Posteriormente, em 685, a Igreja do Líbano, depositária de interessante tradição que diretamente influenciou ramos específicos da Igreja Gnóstica, também recebeu a autocefalia. Ela constituía parte da Igreja de Antioquia, da mesma forma que a Igreja de Chipre, que também recebeu a autocefalia. Destaca-se que um passo a menos da autocefalia é a autonomia. Nesse último caso, o Bispo de mais alto escalão de uma Igreja, ainda que conserve a auto-governança de sua Igreja, é aprovado e ordenado pelo primaz da Igreja-mãe.

A respeito de sua organização, a E.G.A.L. é autocéfala. Destaca-se que a Igreja Apostólica da Luz Eterna, bem como a sua Igreja Interior, ou Igreja do Graal, também conhecida como Igreja Gnóstica Rosacruciana Apostólica da Luz Eterna, ganharam sua autocefalia de um patriarcado gnóstico tradicional e bem estabelecido.  Por sua vez, cada Soberano Santuário da Gnose é autônomo (não autocéfalo). O Soberano Santuário de Elias é o Santuário Primaz da E.G.A.L. e é dirigido pelo Pontifex Primus. Tratando-se do Santuário Primaz, ele jamais é dissolvido, sendo herdado pelo Pontifex Primus Adjutor no momento da morte do Pontifex Primus que o antecedeu. O Soberano Santuário de Elias, contudo, não é o único Soberano Santuário. Atualmente, existem dois Soberanos Santuários ativos na América do Sul, um na América do Norte e um na Europa. Seus respectivos Pontífices formam o Colégio Pontifical e, com exceção do Santuário Primaz, os Soberanos Santuários permanecem ativos apenas enquanto seus respectivos Pontífices permanecem vivos. Quando um Pontifex morre, seu Soberano Santuário é diluído, cabendo aos Pontifex Primus ou ao Pontifex Primus Adjutor a prerrogativa de instaurar novos Soberanos Santuários. Torna-se evidente, portanto, a razão de serem considerados autônomos, e não autocéfalos.

26. Onde as doutrinas da Igreja são descritas?

A doutrina é descrita em dois livros. O primeiro deles é o Liber In, onde encontramos o registro dos Dez Reconhecimentos do Discípulo, e é principalmente a partir dele que as instruções aqui presentes foram selecionadas. Todo membro da Igreja conserva um diário pessoal, também chamado como Liber In. Entende-se que o Liber In pessoal é uma manifestação celular do Liber In central, que ganha, dessa maneira, também o valor de uma importante alegoria.O segundo, Liber Ri, conserva não apenas aspectos da doutrina, mas também todo o corpo litúrgico e os ritos da Tradição. Os Libri são chaves necessárias para a recepção entre os Perfecti da Igreja do Graal.

27. Encontramos, em algum momento da história, algo como uma Religião Gnóstica Unificada?

Nunca houve e nunca haverá. O movimento histórico deve ser compreendido como “gnosticismos”, no plural, uma vez que se refere às heresias dos primeiros quatro séculos, algumas mais próximas da mística judaica, outras mais próximas da mística cristã, mas que, sob a influência dos registros deixados por Irineu de Lyon, foram posteriormente agrupadas e popularizadas sob a denominação “gnosticismo”. Heresias, também no plural, uma vez que o movimento compreendeu agrupamentos com formações mitológicas e filosófico-religiosas sincréticas – com corpos doutrinários distintos – que acabaram sendo marginalizados e, via de regra, combatidos pela ortodoxia que passou a predominar. Grande parte das informações propagadas a respeito dos agrupamentos que compuseram o movimento foi registrada pela pena de seus detratores, exatamente como sucedeu com os primeiros cristãos, cujas narrativas dos seus opositores acusavam-nos, injustamente, de toda a sorte de práticas hediondas.

28. O que narra a Tradição a respeito dos primórdios do cristianismo?

Em um dos registros tradicionais da E.G.A.L. tem-se que o agrupamento essênio foi uma ramificação dos Mistérios Egípcios originada no momento em que Ahmasis levou os Templos sagrados à ruína e os Hierofantes e seus Iniciados procuraram proteção no Templo de Basra. Tem-se também que Yeshu, sobrinho da Rainha Salomé, viajou ao Egito e se tornou um Hierofante dos Mistérios antes de retomar à comunidade essênia. Embora os essênios tenham sido referidos como “Judeus Gnósticos”, isto não seria estritamente correto, uma vez que haviam sido influenciados pelos Mistérios de Adonis da Síria, Serapis do Egito, Dionísio e Baco da Grécia e Roma e também pelos Mistérios de Mithra. Alguns registros dos tempos de Tibério, Calígula e Cláudio, mas também posteriores, do reinado de Adriano, mencionam os Iniciados em Mistérios deste período como “Chrestes” (Viajantes) e os Hierofantes como “Bispos de Serapis e Christos”, sendo “Christos” a palavra empregada nos Mistérios de Serapis para denotar a parte divina da Alma. É bastante evidente que os essênios se relacionavam com os Terapeutas do Egito que floresceram em Alexandria, o berço de nascimento dos gnosticismos cristãos, e provavelmente também com os Ofitas do Egito. Nesse mesmo cenário, encontram-se os Sabeanos, popularizados como Nazarenos, que seguiam Sébio nos arredores da Galileia. Os Ebionitas se ligavam a eles e, dentre eles, encontramos Paulo. Foi justamente Paulo quem atingiu a hierofania e continuou o que Yeshu havia começado depois de sua morte. De Paulo, vieram os cristãos gnósticos, tal como nos evidenciaram Marcião (136 d.C.) e Pródico (120 d.C.). Ele foi seguido por Valentim e Basílides aproximadamente em 130 d.C, e também por Simão o Mago, Menandro, Cerinto, Dosétio e, então, por Satunino da Antióquia. Também encontramos Clemente de Alexandria, discípulo de Amônio Sacas, ele mesmo sendo um Iniciado dos Mistérios de Serapis e Ísis. Ele transmitiu sua gnose para Orígenes, que procurou sincretizar as tradições judaicas e egípcias. Por estes caminho e estudo, diante de toda a diversidade que encontramos, torna-se evidente como cada qual contribuiu para a disseminação da Tradição Prístina pelo que dela pôde traduzir por meio de suas próprias percepções das experiências mística e gnóstica.

29. A partir de qual momento o cristianismo passou a se afastar da Tradição Prístina?

O primeiro Concílio de Niceia, que aconteceu em 325 d.C. e tinha por objetivo reunir todos os bispos da Igreja, foi considerado o primeiro concílio verdadeiramente ecumênico e tornou-se um marco divisor, sendo todos os concílios que o antecederam considerados “pré-nicenos”. Nele, procurou-se reunir a cristandade com o objetivo de condenar o arianismo, heresia difundida por Arius, que, muito influenciado pelas escolas gregas, defendia a distinção de Pai (Monas) e Filho (Duas). Nesse primeiro concílio ecumênico, proclamou-se a igualdade e a equivalência das naturezas do Pai e do Filho, e foi nesse espírito que se redigiu o Símbolo Apostólico, credo religioso muito próximo do que hoje é pronunciado na liturgia da Santa Missa pela Igreja Romana e outras. Do ponto de vista do desenvolvimento da teologia e do dogma, a partir do ano de 325, passou-se a considerar que a divindade comporta três diferentes hipóstases, sendo cada uma delas uma persona divina. A palavra “hipóstase”, de origem grega, é usada para denotar a natureza de algo ou alguma instância especial dessa natureza. No caso do entendimento ortodoxo do dogma da Trindade, uma pessoa da Divindade. Tal como os concílios ecumênicos acabaram por prescrever, Pai, Filho e Espírito Santo são três diferentes hipóstases que formam uma mesma e única divindade – três hipóstases que partilham de uma mesma ousia (substância ou essência). A conceituação de ousia, bem como a sua distinção formal do que fora referido como hipóstases foi um problema a ser lentamente resolvido pelos pais da Igreja… De todo modo, uma questão discutida no Concílio de Niceia foi justamente a distinção existente entre o conceito de homoousios (mesma substância), que foi o preservado pela Igreja em prejuízo do arianismo e de outras heresias, daquele de homoiousios (de substância similar).

Mas, por que, então, se fala em distanciamento da Tradição Prístina? Porque o enrijecimento dogmático da Tradição fere-a de morte. O problema não é a existência de ideias e visão diferentes, vez que, sendo impossível à mente humana apreender os princípios metafísicos em sua completude, ela sempre formará, a seu respeito, uma imagem rudimentar e incompleta. O equívoco, aqui, é querer eleger uma dessas imagens humanamente formuladas como a única correta, ou, pior ainda, como “A Verdade”. Um mistério, ao se tornar dogma rígido, deixa de ser mistério e passar a ser pura ideologia humana.

30. Como o conhecimento arcano da antiga doutrina foi perpetuado?

Não apenas pela Sucessão Apostólica que, por meio do Pacto, preservou aspectos relevantes da Tradição Prístina, mas também por meio organizações iniciáticas tradicionais que preservaram o Secretum Templi, tais como a própria Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo, os Irmãos do Oriente e o movimento rosacruciano.

31. Quantas e quais são as Eras da Igreja Gnóstica Moderna?

São cinco as Eras consideradas pela E.G.A.L.

A primeira Era da Igreja Gnóstica Francesa é chamada de Era de Doinel e é referida como o momento do revivescimento neo-cátaro e neo-valentiniano pela experimentação espírita. Foi Jules Doinel quem, orientado pelos espíritos cátaros, proclama a Era da Restauração da Gnose e a participação de Lady Caithness nesse período é sobremaneira importante. Desse primeiro empreendimento, tem-se a origem da linhagem espiritual que subjaz a toda a existência da Igreja Gnóstica. A Assembleia da Igreja de Doinel era composta pelos Perfeitos e o clero era composto pelo Patriarca, pelos Bispos e Sophias e pelos Diáconos e Diaconisas. Desde o começo, homens e mulheres ocupam posições, no seio da Igreja, em pé de igualdade. A “Santa Ordem dos Cavaleiros Fayditas da Pomba do Paráclito”, ou, simplesmente, “Ordem da Pomba do Paráclito”, também foi fundada nessa primeira Era.

A teologia da primeira Era foi largamente baseada naquilo que era conhecido sobre os gnósticos dos primeiros quatro séculos, mas, principalmente, das perspectivas de Simão, o Mago, e de Valentin. Doinel se afinava com a divisão de Velentin da humanidade em três classes (seres hílicos, psíquicos e pneumáticos), e, a respeito do credo estabelecido para a Igreja, ele dizia respeito apenas às “Duas Doutrinas Fundamentais da Sacrossanta Gnose”, tendo sido sintetizado da seguinte maneira: “eu acredito na salvação através da Gnosis e na doutrina da Emanação”. Para Doinel, a Gnose era sincrética em natureza e constituía a verdadeira essência do Cristianismo. Sua perspectiva teológica era trinitária e bastante centrada na adoração do Divino Feminino. Os sacramentos, conforme praticados nessa Era, eram quatro e inspirados na Igreja Cátara: Consolamentum, Appareillamentum, “Consagração dos Bispos” e “Fração do Pão”.

A segunda Era da Igreja Gnóstica é aquela de Léonce Fabre des Essarts e de Louis Sophrone Fugairon. É nesse período que o “Batismo da Água” (em substituição ao Consolamentum) e a “Divina Unção” aparecem na Igreja e que a “Fração do Pão” e a “Consagração dos Bispos” passam a ser chamadas, respectivamente, de “Divino Mistério” e “Sacramento das Sete Vozes e dos Quarenta e Nove Poderes”. O Appareillamentum deixa de ser ministrado nesse período e a Igreja Gnóstica, agora conhecida como “Igreja Gnóstica Universal (Católica)”, se afasta da coloração valentiniana-cátara e, se aproximando de uma concepção esotérica sintética, ganha um contorno muito parecido com o de uma organização iniciática. Estruturalmente, em uma procura por imitar a ascensão pelos Eons, a Igreja passa a ser composta por membros distribuídos em graus esotéricos, transmitidos iniciaticamente, por sacramentos e por ordenações. Os nomes dos “Sete Graus da Sacrossanta Gnose” (de Borborianista a Barbelita) surgem pela primeira vez nesse momento.

O Credo da Igreja se tornou mais complexo na segunda Era, assumindo posições teológicas como a do Deus Bom, do Universalismo (a salvação é universal, todos retornarão a Deus), do Unitarismo (Deus é uma entidade, em oposição à teologia trinitária ortodoxa), da Adoção Mitigada (teologia não trinitária que sustenta que Jesus foi adotado como Filho de Deus em seu batismo), do Dualismo Mitigado (a matéria é má, mas subordinada ao espiritual e bom), da Salvação Feminina (superados o trabalho do Pai e do Filho, a determinação da salvação da humanidade depende do Espírito, que é o feminino na Divindade), etc.

A terceira Era da Igreja Gnóstica da França é a de Jean Bricaud e demarca o momento em que a Igreja se torna detentora de Sucessões Apostólicas. O sincretismo esotérico anteriormente desenvolvido é mantido, ainda que com novos contornos. A transmissão dos cinco sacramentos é mantida (a confissão e o casamento ainda não são compreendidos como sacramentos). Também é nesse momento que nos deparamos, pela primeira vez, com a figura do Padre dentro da Igreja Gnóstica.

O sistema de graus da Igreja torna-se mais simples (Aprendiz/Estudante, Companheiro/Discípulo, Mestre/Perfeito e Mestre Eleito/Clero). A Doutrina foi dividida em uma seção exotérica e uma esotérica, sendo que a primeira seção se baseava nos três Evangelhos e ensinava os dogmas da existência de Deus, da existência de mundos espirituais, da imortalidade da alma, do estabelecimento do Reino de Deus na Terra e da finalidade da Caridade como a base da moralidade. Por sua vez, a segunda se orientava pelo Evangelho de João e velava pelos dogmas da natureza de Cristo, da dispersão, da liberação, da Parousia e dos mistérios da purificação por meio dos sacramentos.

Na quarta Era da Igreja Gnóstica, chamada de “Era de Ambelain”, o que era uma Igreja Iniciática tornou-se uma Igreja para aqueles que já eram iniciados. Agora conhecida como “Igreja Gnóstica Apostólica”, ela passa a não realizar nenhum ofício público e toma como dupla missão manter o cristianismo tradicional e gnóstico dentro do contexto das sociedades secretas com caráter iluminista (Martinismo, Maçonaria, etc.) e lutar contra a ação demoníaca em suas diferentes formas. Robert Ambelain tinha o olhar direcionado pela teologia da Igreja Romana e introduziu o culto aos Santos Católicos Romanos dentro da comunidade gnóstica. Nesse momento, o credo da Igreja Gnóstica, uma adaptação do credo niceno, passou a não conter nenhum elemento particularmente gnóstico. Em relação aos mistérios do Divino Feminino, as liturgias da Igreja passam a não conter nada que não estivesse em linha com o dogma Católico Romano. Sob o patriarcado de Ambelain, a Igreja não teve um número de quatro sacramentos, como na época de Doinel, ou de cinco sacramentos, como na época de Essarts e Bricaud, mas de sete, tal como a perspectiva ortodoxa. O Sacramento da Ordem também passou a contar com a divisão entre Ordens Menores (Clérigo, Porteiro, Leitor, Exorcista, Acólito e Subdiácono) e Maiores (Diáconos, Padres e Bispos).

A perspectiva da E.G.A.L. é a de que a contemporaneidade experimenta uma quinta Era, sendo ela fruto das influências advindas de cada uma das Eras anteriores, somadas com a influência exercida por determinados caminhos da Tradição Esotérica Ocidental a respeito da Igreja. A E.G.A.L. herda determinados elementos de cada uma das Eras anteriores, bem como preserva uma Tradição Iniciática importante em seu seio.

32. Quais os pontos de convergência entre as diferentes Eras?

As duas Doutrinas Fundamentais da Sacrossanta Gnose.

33. Quais são as Doutrinas Fundamentais?

As doutrinas fundamentais são:

1- Doutrina da Emanação

2- Doutrina da Salvação pelo Conhecimento (S.G.)

34. Qual a importância das Doutrinas Fundamentais?

Dada a universalidade da Ecclesia, a dupla doutrina demarca as expressões da Ecclesia que são esotéricas em compreensão e gnósticas em natureza. As duas Doutrinas Fundamentais são como uma impressão digital ou, simplesmente, a principal marca identitária das Igrejas Gnósticas. Apesar de diferentes Igrejas Gnósticas possuírem diferentes doutrinas e credos, essas doutrinas e credos não deixam de ser desenvolvimentos das duas Doutrinas Fundamentais. Qualquer elucubração teológica gnóstica é um desenvolvimento, quer seja lógico-intelectual, quer seja vivencial-experimental, desses dois pressupostos doutrinários. Esses pressupostos delimitam um espaço, um contorno que, ainda assim, permite que diferentes Igrejas sejam coloridas com diferentes tonalidades teológicas doutrinárias, de acordo com a Assembleia que as compõe e daqueles que as presidem. Nesse sentido, existem Igrejas afinadas com tradições gnósticas mais otimistas, mais pessimistas, mais cátaras, mais arianas, mais valentinianas, mais sethianas, mais joanitas, mais cavaleirescas, mais platônicas, mais pagãs, mais…, mais…

Quanto à E.G.A.L., ela perpetua a memória da Tradição Cristã Prístina em seu molde místico-gnóstico otimista e o ministério sacerdotal, em conformidade com a Ordem de Melquisedeque, dos Sacramentos da Sacrossanta Gnose e das Liturgias Esotéricas. Desse modo, demarca-se o lugar e a forma a partir dos quais a Tradição da Igreja Gnóstica manifesta-se no seio da Assembleia. Há uma influência fundamental que permeia todo o modo da E.G.A.L. lidar com as matérias religiosas e espirituais: o rosacrucianismo. Referenciada como a Igreja dos Iniciados, a E.G.A.L. é legítima herdeira de uma fórmula iniciática rosacruciana bastante especial e conserva uma postura que é contaminada com esse “vírus” libertador. Outras influências relevantes podem ser encontradas nas Antigas Observâncias, na Teurgia Cristã, na teologia gnóstica Sethiana e Ofita, na estrutura da igreja cátara, na concepção Joanita da Tradição Cristã das Ordens de Cavalaria heréticas, na alquimia rosacruciana, na tradição hermética renascentista, na sucessão velho-católica e do catolicismo liberal e no desenvolvimento da historicidade do movimento gnóstico no geral e da Igreja Gnóstica Francesa em particular.

35. O que pretende a Doutrina da Emanação?

A Doutrina da Emanação insere as Igrejas Gnósticas dentro da milenar Tradição do Cristianismo Prístino Herético-Esotérico. Junto dela, sempre presente nos diferentes momentos históricos através de diversos de movimentos Místicos, Heréticos e Esotéricos, encontramos a Cadeia Dourada de Instrutores que ligam a Tradição à expressão Prístina do Cristianismo e, conforme a tradição arcana, também anterior ao próprio Cristianismo.

Desde uma perspectiva criacionista, a criação da Terra é engendrada por um Criador que, para tanto, faz uso da matéria disponível por ele também criada para gerar algo fora de Si-Mesmo. Desse modo, nesse modelo de cosmovisão, há determinada descontinuidade entre Criador e criatura. Na perspectiva do emanacionismo, a essência ou a luz da entidade que deseja se manifestar em um plano inferior é projetada para esse plano. Em decorrência desse processo, sendo envolvida pela natureza do plano inferior, a parte projetada ganha individualidade, muitas vezes uma forma nova de consciência, ainda que mantenha a essência da Entidade-Fonte. Desse modo, concretiza-se o grande mistério que é a Unidade essencial que perfaz a existência dos mais diferentes seres.

36. O que pretende a Doutrina da Salvação pelo Conhecimento?

Por sua vez, a segunda das doutrinas, a “Doutrina da S.G.”, relaciona-se com a possibilidade da compreensão espiritual profunda por uma via Mística direta. Ela insere as Igrejas Gnósticas dentro da Tradição, também milenar, da possibilidade da iluminação através da experimentação direta do próprio Logos.

A E.G.A.L. não se posiciona contrariamente às diferentes expressões da fé. Entretanto, a fé reconhecida como válida para o movimento gnóstico se afina mais com a fé na própria experiência, um tipo de lealdade duradoura sentida em relação à experiência de conhecimento interior própria. Essa é uma das razões da experiência gnóstica ser considerada libertadora. Ainda que a Doutrina Fundamental diga respeito à salvação, tenhamos em mente que a salvação gnóstica muito mais se aproxima da concepção que hoje temos acerca de um processo de libertação. A salvação não é pensada como um processo necessário à condição do pecado original, mas necessário à ignorância em relação à qual o pecado e o mal são consequência.

É importante, contudo, não se entender “Conhecimento” como uma apreensão meramente racional, mas sim conferir a essa palavra seu verdadeiro sentido metafísico, isto é, a de uma apreensão intelectual (no sentido neoplatônico) ou intuitiva das Verdades Eternas. De igual maneira, mostra-se igualmente relevante não se entender “experiência” como algo puramente emocional, concernente às vagas astrais às quais os seres humanos estão sujeitos, mas à experiência noética ou intelectual, na sua acepção neoplatônica. Essa mesma experiência pode ser considerada como advinda do “intelecto intuitivo”, mas, aqui, também é importante não se confundir intuição com a impressão vaga e puramente emocional (astral) que usualmente se atribui a essa palavra. Enfim, não se trata de uma experiência de cunho sentimental, mas legitimamente “gnóstica”.

37. Qual a diferença entre Ecclesia e Igrejas?

A Ecclesia é uma emanação, um Éon e um estado de comunhão de corações afins. A principal característica da Ecclesia sempre foi a de ser Católica, ou seja, Universal. Sendo composta por todos aqueles, visíveis ou não, que receberam o Sacramento do Batismo, a Ecclesia se manifesta universalmente por meio de diferentes células e corpos.

Embora muitas dessas células e corpos declarem não possuir um conhecimento de orientação esotérica e não explicitem a existência dessa possibilidade de conhecimento e experimentação religiosa, uma vez que ministram os Sacramentos, as diferentes Igrejas são sempre mágicas (ou melhor, teúrgicas) no modo como atuam.

A Ecclesia não é composta apenas pelos visíveis, mas também pela atuação da Comunhão dos Santos e de toda uma corte angélica, eônica e de outras potências espirituais.

38. Existe alguma outra doutrina típica das Igrejas Gnósticas que seja meritória de ser considerada?

Sim, a da centralidade do culto ao divino feminino.

39. Qual o Símbolo Religioso (Credo) da E.G.A.L.?

Creio em um só Deus Inefável e em Seu Sacramento-Fonte, o Logos, Cristo e Sophia, Flor do Pleroma e Alma do Mundo.

Creio na Ecclesia, Una, Santa, Católica e Indivisível, em sua antiguidade e na Fraternidade entre os homens.

Creio na Teurgia dos Sacramentos e nas duas Doutrinas Fundamentais da S.G.

(Libri I.N. e R.I.)

40. Como uma Igreja Gnóstica pode arrogar-se possuidora de um Símbolo Religioso? Tal característica não contradiz as premissas fundamentais da experiência gnóstica?

A experiência gnóstica pode produzir compreensões espirituais profundas, mas ela pressupõe a liberdade da experiência mística amadurecida. Dito de outra maneira, a experiência gnóstica independe de qualquer dogma e de qualquer Símbolo. Ela é fruto da aproximação com o Divino e é muito maior do que se pode expressar de maneira racional (afinal, ela é fruto do Intelecto, de Nous, ou, numa expressão de uso mais corrente nos tempos atuais, do intelecto intuitivo). A Sabedoria é livre e não pode ser confinada pelas tradições. Ainda assim, a E.G.A.L. em particular e as Igrejas Gnósticas em geral possuem dois dogmas. Isso faz parte da herança que posiciona a tradição em uma linha dourada de continuidade tradicional. A E.G.A.L. pretende que sua Assembleia esteja de acordo com esses dogmas sem que se preocupe em pregá-los. A Assembleia deve ser composta por pessoas que encontraram, em seus próprios corações e vivências, a validação interior necessária acerca desses temas. Ademais, como não poderia deixar de ser, a E.G.A.L. detém um Magistério Pastoral, emanado da Tradição Prístina. Em outras palavras, uma vez que é preciso haver ensinantes ou docentes dos mistérios, cabe aos seus Sacerdos a tarefa magisterial de guiar aqueles desejosos de aprender nos caminhos da Sacrossanta Gnose.


[1] Caminhância é um neologismo empregado no seio da Igreja na falta de uma palavra que expresse essa mesma noção no léxico da Língua Portuguesa.