História dos Desenvolvimentos Gnósticos Modernos – Parte 4

Se você ainda não viu as primeiras partes, veja-as antes de continuar. Segue os links para elas abaixo:

Parte 1: Igreja Joanita

Parte 2: Vintras

Parte 3: Doinel

Nesta parte 4 iremos falar do episódio conhecido como Fraude de Taxil, finalizando o período de Doinel, e chegaremos à Fabre Des Essarts como continuador de sua Igreja Gnóstica.

Lucifer Démasqué

Em 1895, Jules Doinel subitamente abdica do Patriarcado da Igreja Gnóstica e rompe seus laços com a Maçonaria e a Ordem Martinista – na qual havia sido introduzido por Papus, se convertendo ao Catolicismo Romano.

As razões da defecção de Doinel são obscuras, porém, provavelmente elas estão relacionadas com a sua ligação com Gabriel Antoine Jogand-Pages[1]Que escreveria sob o pseudônimo de Leo Taxil.. E é juntamente com a provável colaboração de Jogand-Pages que, sob o pseudônimo de Jean Kostka[2]Esse pseudônimo foi derivado do nome de um herói morto dos jesuítas poloneses, Stanislaus Kostka, no século XVI. O jesuíta polonês é mencionado em uma correspondência privada entre o … Continue reading, Doinel lança o livro Lúcifer Desmascarado – onde ele ataca as organizações com as quais esteve ligado até então, a Igreja Gnóstica, a Maçonaria e o Martinismo.

Em seu livro, Doinel ao que parece também revelou um ritual que pertencia aos “Chevaliers Bienfaisants de la Cité Sainte” (CBCS), ordem interna do Rito Escocês Retificado de Willermoz. Esse ritual é conhecido como o “rituel d’armement”.

Gabriel Antoine Jogand-Pages, colaborador de Doinel em sua polêmica obra, foi o autor de uma das maiores campanhas da história do Ocultismo, iniciada na década de 1880. Após uma juventude anti-clericarista, se tornou maçom por um curto período[3]Ele foi expulso de sua Loja., depois do qual se converteu ao Catolicismo, iniciando uma série de ataques através de livros e artigos contra a Maçonaria, o Rosacrucianismo, o Martinismo e outras organizações símiles. Em seus ataques, Léo Taxil acusava tais organizações de serem de origem satânica, controladas secretamente pela Ordem do Palladium supostamente dirigida por Albert Pike, e contrárias a toda Civilização Cristã Ocidental.

Durante longos anos Jogand apresentou as acusações contra tais organizações, alegando a realização de ritos inumanos de adoração ao diabo, de orgias obscenas e sacrifícios humanos no interior das mesmas, e da associação de todas elas sob um mesmo comando central secreto que respondia diretamente a satã em pessoa. Tal campanha alcançou tamanha notoriedade que levou Jogand até uma audiência oficial com o Papa Leão XIII. A fraude durou até abril de 1897, quando em uma assembleia composta por membros do clero católico romano e maçons de alto grau, Jogand revelou que tudo não passava de uma grande piada[4]Ainda assim até hoje vemos religiosos utilizarem informações contidas na fraude de Taxil como se fossem verídicas. que realizara contra a Igreja, para demonstrar a sua fragilidade e permeabilidade.

Coincidentemente, após menos de dois anos da exposição do engodo promovido por Léo Taxil, Doinel inicia correspondência com Fabre des Essarts. Sendo que em 1900 Doinel requisita sua reconciliação com a Igreja Gnóstica e sua readmissão como Bispo. Fabre des Essarts então reconsagra-o com o nome de Tau Jules, Bispo de Alet e Mirepoix. Em 1903, Doinel morre.

Uma explicação alternativa para o retorno de Doinel à Igreja Gnóstica, embora improvável, é que Doinel realmente nunca abandonou suas crenças gnósticas. Pensa-se que Doinel “colaborou” com Taxil para expor todas as mentiras e superstições que circulavam naquele momento com relação ao movimento de organizações iniciadoras, incluindo as da “sua” própria Igreja Gnóstica. Porém, tal explicação carece de verdade pois na prática o Doinel divulgou sim materiais fechados de tradições que fazia parte ou não e isso realmente aponta que ele abdicou daquilo que acreditava, fez coisas condenáveis e depois se arrependeu.

Tau Synésius: Fabre Des Essarts

Fabre Des Essarts

A repentina saída de Doinel provocou uma relativa devastação na Igreja Gnóstica, porém ela sobreviveu sob o controle de um Sínodo de Bispos até 1896 quando Papus, Synésius, Sedir, Chamuel e outros convocaram um Sínodo no qual Tau Synésius, o Bispo de Bordeaux, poeta simbolista e estudioso do gnosticismo e do cristianismo esotérico, foi eleito para suceder Doinel como Patriarca. Tau Synésius era o nome místico de Léonce-Eugène Joseph Fabre des Essarts (1848-1917). O Sínodo Sagrado foi novamente realizado no oratório de Lady Caithness, que morreria em novembro de 1895[5]Considerando o ano de morte de Lady Caithness como 1895, é muito provável que, ao contrário do que geralmente se afirma, o Sínodo que elegeu Fabre des Essarts como patriarca ocorreu em 1895, … Continue reading.

Fabre des Essarts, poeta e ocultista simbolista e amigo íntimo do Abade Julio – J.E. Houssay, começou a colaborar com Louis-Sophrone Fugairon (Tau Sophronius), estudioso do Catarismo e do Templarismo, para desenvolver a Igreja Gnóstica e introduzir novos elementos em seus ensinamentos. De acordo com Robert Ambelain, Fabre des Essarts era o “discípulo direto” do Abbé desde 1885. Des Essarts e Fugarion iniciam uma ênfase dentro da Igreja Gnóstica para a Teologia Gnósticae a Ciência Oculta, remodelando em parte o legado de Doinel. Mais tarde, Synésius introduziria elementos do Taoísmo (através de Matgioi, conde de Pouvourville) e Sufismo (através de Theophane Champrenaud) nos ensinamentos da Igreja Gnóstica. O Sínodo Sagrado (Papus, Sédir, Chamuel) também apoiou Fabre des Essarts a colocar a Igreja Gnóstica Universal (Eglise Gnostique Universelle) em comunhão com a Igreja Galicana.

Também é indicado que outra linhagem foi incluída no Sínodo Gnóstico de 1895 – a linhagem de Palaprat da “L’Eglise Johannites des Chretiens Primitif”, proveniente da participação e inclusão de Dom Mauviel e Mons. Chatel.

A Igreja Gnóstica de 1896 mudou seu nome várias vezes. “Église Gnostique Universelle Catholique” era como a Igreja Gnóstica era conhecida em 1893. O “Protocolo da União das Ordens Martinistas” de 1958 refere-se à Igreja Gnóstica de Doinel como a E.G.A.U. A “Église du Paraclete” a “Igreja do Paracleto”, era supostamente o nome da Igreja após a revelação de Doinel. Há também referências que apontam o nome “Église Albigeoise et Provencale”. Por fim, após 1900, a Igreja é geralmente referida como “Église Gnostique de France”.

Fugairon

Em 1899, Fugairon (Tau Sophronius) publicou um catecismo gnóstico chamado “Catéchisme Expliqué de L’Eglise Gnostique”. Em 1895, a primeira tradução francesa do “Pistis Sophia” havia sido publicada (por E. Amelineau), um livro ao qual L’Eglise Gnostique atribuiu a Valentinus. A nova fase da Igreja Gnóstica fez com que ela parecesse se tornar uma mistura de vários ensinamentos antigos. A doutrina também estava constantemente mudando e, portanto, foi decidido restaurar a ordem no óbvio “caos” em seus ensinamentos através do catecismo de Sophronius. Na época, os protagonistas da Igreja Gnóstica defendiam uma doutrina da igreja cujo conteúdo parecia ser uma mistura de vários ensinamentos antigos. A “doutrina” defendida também estava constantemente mudando e, portanto, foi decidido restabelecer a ordem no aparente “caos” dos ensinamentos por meio do Catecismo de Sophronius. O “Catéchisme Expliqué de L’Église Gnostique” contava com 400 páginas. No início do livro, a “Pistis Sophia” é mencionada, mas seu complexo sistema é tratado apenas superficialmente. Mais atenção é dada a Simão, o Mago e aos Valentinianos. É feita uma exceção às atribuições mágicas dadas em “Livres de Jeû”, dois textos adicionais de “Pistis Sophia”, o “Codex Brucianus”.

Como seu primeiro ato como Patriarca ordenado da Igreja Gnóstica, Fabre des Essarts reconsagrou o ex-Patriarca Doinel como Tau Jules, Bispo de Alet e Mirepoix. Outros Bispos consagrados por ele foram Léon Champrenaud (1870-1925), Tau Théophane, Bispo de Versailles; René Guénon[6]Consagrado em 1909 após a sua expulsão da Ordem Martinista de Papus. Guénon tornou-se o editor de “La Gnose”, um periódico descrito como “o órgão oficial da Igreja Gnóstica Universal”. (1886-1951), Tau Palingénius, Bispo de Alexandria; Patrice Genty (1883-1964), Tau Basilide[7]Mais tarde este seria o último patriarca da “Eglise Gnostique de France”.; e Jean Bricaud[8]Consagrado Bispo aos 20 anos de idade. (1881-1934), Tau Johannes, Bispo de Lyon. Entre 1903 e 1910, Fabre des Essarts consagrou cerca de 12 Bispos, incluindo os já acima descritos.

Em 1900, foi publicada a primeira edição da revisão gnóstica “Le Reveil des Albigeois”.

A Igreja de Doinel, em seus dias, era mais simples, menos doutrinária e menos sincrética que esta reformulação. Frisava mais as ideias de Valentim e as expressões gnósticas como os cátaros. Pelo que parece, ele não percebeu as contradições existentes entre o dualismo das correntes como o valentinianismo e o catarismo e os ensinamentos da Tradição Esotérica Ocidental, mais particularmente da Ordem Martinista. A partir do momento em que ele se refere à Gnose como uma ciência universal e completa, ele não percebe que isto não é exatamente igual ao proposto pelo catarismo e é mais próximo do Esoterismo Ocidental e que isto, no futuro, faria a sua Igreja caminhar numa direção mais sincrética e universalista.

A doutrina da “Gnose Sagrada”, formulada por Doinel em sua “Premier Homélie” de 1890, foi desenvolvida e “completada” por Fabre des Essarts e Bricaud. Ambos trabalhavam no término dos rituais e no patrimônio ideológico da Gnose cristã renovada. Agora sim temos uma doutrina e uma organização muito mais formulada que a proposta inicialmente por Doinel. Há a adição de sacramentos, das figuras dos Arquidiáconos e das Arquidiaconisas, reformulações de sua estrutura organizacional, fazendo da sua Igreja essencialmente uma Igrejas de iniciados nos moldes de uma Ordem iniciática, com um sistema de sete graus baseados nos 33 graus do Rito Escocês Antigo e Aceito. Aqui temos os sete graus sendo relacionados a sacramentos e ordenações.

Em 1906 (7 de dezembro de 1906), Tau Synésius I foi convocado por um Sínodo Constitucional no “Santuário da Gnose” em Paris para uma declaração pública da doutrina da “Eglise Gnostique”. Uma constituição da Église Gnostique de Synésius foi redigida e representou “As Constituições e Ordenanças Municipais Aceitas de 1906”.

Com relação à direção da Igreja Gnóstica, a Constituição de 1906 declarou: “A Igreja Católica Gnóstica da França é estabelecida sob a direção de seu Patriarca com sede em Paris, França, e cujo título é “L’Eveque D’Montsegur” e que é Primus inter Pares (o primeiro entre iguais) e, portanto, democraticamente toma decisões importantes com a aprovação do Santo Sínodo; caso contrário, chamará o colégio metropolitano”.

Aparentemente a promulgação de 1906 atraiu dignitários ao Novo Santuário da Gnose, incluindo os Grandes Mestres e Hierofantes do Rito Antigo e Primitivo de Memphis-Misraim e também de várias Ordens rosacrucianas. Em grande parte, também se deve a Fabre des Essarts ter introduzido uma missa baseada ou derivada da “antiga tradição católica”. Por vezes a Igreja Gnóstica é referida como “L’Eglise des Inities”, a “Igreja dos Iniciados”, isto também porque, segundo Stephan A. Hoeller, nela católicos romanos que foram iniciados em ordens secretas de caráter maçônico, martinista, rosacruciano ou similar e que, portanto, sofreram excomunhão das autoridades romanas foram e estão aptas a participar dos cultos e receber os sacramentos na Igreja Gnóstica.

No início do século XX, a Igreja também incluiu um ‘Círculo Interno’, uma ‘Seção Esotérica’ reservada exclusivamente ao Clero. O trabalho iniciático desta sessão mais interna concentrava-se fortemente em Cabala, Alquimia e Teurgia. Uma de suas práticas teúrgicas era conhecida como “Batismo do Fogo”, pratica cerimonial que objetivava obter a Visão Beatífica de Jesus Cristo.

Na história da Igreja Gnóstica, fala-se de um certo grupo chamado “Chevaliers de Saint Montsegur”. Parece razoável pensar que os “Cavaleiros de Montsegur” foram o círculo interno iniciático da Ecclesia Gnostica.

Entre os “dignitários” que assumiram o compromisso com o Nova Santuário da Gnose estava, segundo Tau C.Harmonius II (R. Cokinis) e o Doutor Arnold Krumm-Heller (Tau Huirachoca), este consagrado por Tau Basilides. Sabe-se que Krumm-Heller era um discípulo do bispo Dr. Arturo Clement, que agia sob a égide de Jean Bricaud (Tau Jean II). Geralmente assume-se que ‘Basilides’ é Paul Genty. No entanto, um gnóstico alemão chamado Peithmann (Pastor Dr. E. C. H. Peithmann, 1865-1943) também carregava o nome místico de ‘Basilides’. Em uma obra alemã chamada “Lexikon des Geheimwissens” de H.E. Miers, afirma-se que Peithmann era membro da “Ordem do Graal”, uma das muitas ordens que foram fundadas no final do século XIX, mais exatamente fundada em 1893. Peithmann introduziu certas práticas de Magia Sexual nesta Ordem do Graal, que ele incorporou e desenvolveu mais tarde em uma igreja que ele fundou por volta de 1920, o “Altgnostische Kirche von Eleusis”, a “Antiga Igreja Gnóstica de Elêusis”. Koenig relata que a Igreja de Peithmann foi dedicada à “transformação da energia sexual” e à “libertação da semente da servidão”. Em 1923, Gustav Meyrink tornou-se membro da Igreja de Peithmann, embora sua afiliação tenha durado pouco tempo. Retornando a Krumm-Heller, numa “Revista Rosa-Cruz” publicada em Berlim, Krumm-Heller relata que foi Peithmann quem transmitiu a sua sucessão em 1930.

Tau C.Harmonius II também menciona o Dr. Rudolf Steiner e John Yarker como outros dignitários que “assumiram o compromisso”. Embora Steiner tenha sido fortemente influenciado pelo Rosacrucianismo e pelo Gnosticismo, não há evidências de que Steiner tenha sido membro da Igreja Gnóstica.

John Yarker ocupou muitos cargos e recebeu muitos diplomas honorários. Yarker manteve correspondência com quase todas as autoridades ocultas de seu tempo, incluindo Papus. Papus fez de Yarker o cabeça da Ordem Martinista para a Inglaterra e forneceu a ele um diploma honorário de “Doutor em Ciências Herméticas” em 1899. Em troca, Papus havia recebido em 1901 uma carta que o concedeu uma “Loja Swedenborgiana” chamada I.N.R.I. Embora seja bem provável[9]Papus e seus sucessores sempre tentaram fundir Ordem Martinista, Igreja Gnóstica e Rito Antigo e Primitivo de Memphis-Misraim, do qual Yarker era Grande Hierofante. Tal estrutura é tida por Milko … Continue reading que Yarker também tenha recebido um título honorário da Igreja Gnóstica, não há provas do envolvimento dele com a Igreja.

Com o “consentimento” de Papus e outros martinistas, Bricaud rompe, em 1907, com a Igreja de Synésius para estabelecer a sua própria Igreja Gnóstica. Tal cisma foi um golpe devastador.

Após a morte de Fabre des Essarts, em 1917, Léon Champrenaud (Tau Théophane) assumiu o Patriarcado da Igreja Gnóstica. Patrice Genty (Tau Basilide) sucedeu a Champrenaud em 1921 e colocou a L’Eglise Gnostique de France em 1926 a favor da Église Gnostique Universelle de Jean Bricaud.

Referências

Referências
1 Que escreveria sob o pseudônimo de Leo Taxil.
2 Esse pseudônimo foi derivado do nome de um herói morto dos jesuítas poloneses, Stanislaus Kostka, no século XVI. O jesuíta polonês é mencionado em uma correspondência privada entre o romancista francês J.K. Huysmans e Jules Doinel. Essas correspondências são preservadas na “Bibliothèque de l’Arsenal”, arquivada como “Lettres de Jules Doinel” e “Lettres de J-K H”. Ambos se converteram ao catolicismo romano e, em 1895, Huysmans descreveu Doinel em uma correspondência privada como “homem muito educado e inteligente” que finalmente dedicou sua vida a Deus”.
3 Ele foi expulso de sua Loja.
4 Ainda assim até hoje vemos religiosos utilizarem informações contidas na fraude de Taxil como se fossem verídicas.
5 Considerando o ano de morte de Lady Caithness como 1895, é muito provável que, ao contrário do que geralmente se afirma, o Sínodo que elegeu Fabre des Essarts como patriarca ocorreu em 1895, antes da morte de Caithness.
6 Consagrado em 1909 após a sua expulsão da Ordem Martinista de Papus. Guénon tornou-se o editor de “La Gnose”, um periódico descrito como “o órgão oficial da Igreja Gnóstica Universal”.
7 Mais tarde este seria o último patriarca da “Eglise Gnostique de France”.
8 Consagrado Bispo aos 20 anos de idade.
9 Papus e seus sucessores sempre tentaram fundir Ordem Martinista, Igreja Gnóstica e Rito Antigo e Primitivo de Memphis-Misraim, do qual Yarker era Grande Hierofante. Tal estrutura é tida por Milko Bogaard como as três luminárias da escola francesa do Esoterismo Ocidental.

Comentários

Uma resposta para “História dos Desenvolvimentos Gnósticos Modernos – Parte 4”

  1. Acauã Silva

    Interessante panorama. Ao que parece o revivamento ocultista da virada do século queria também uma reforma religiosa.

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