O Simbolismo do Pantáculo
Texto de um manuscrito martinista publicado em inglês em The Pantacle, n° 15, 2015.
Traduzido pela equipe de tradutores da Irmandade dos Filósofos Desconhecidos.
O símbolo oficial da Ordem martinista Tradicional é o Pantáculo.
Em primeiro lugar é importante deixar claro que a palavra Pantáculo é, na verdade, um neologismo martinista, já que tal palavra não consta nos dicionários. É importante mencionar também que é escrita com a vogal “a”, e portanto, não deve ser confundida com sua palavra homônima “Pentáculo” (escrita com a vogal “e”). Esta última deriva da palavra grega pente e seu significado é cinco, o que explica a razão pela qual muitas vezes é usada para designar um talismã na forma de uma estrela de cinco pontas. Já a palavra Pantáculo, etimologicamente falando, deriva da palavra grega panta, que significa “o todo”. De acordo com o martinista Adolphe Desbarolles (1804-1886), essa palavra vem do latim pantaculum, que significa “aquilo que contém tudo”. Da mesma maneira, Papus aponta que a palavra Pantáculo é um “diagrama do todo, resumindo, num único símbolo, uma riqueza de significados”. Stanislas de Guaita compartilhou a interpretação de Papus, já que considerava tal símbolo como sendo o sumário hieroglífico de uma doutrina completa.
Ao observar o Pantáculo você notará que ele é composto de vários elementos. À primeira vista, distingue-se de imediato a estrela de seis pontas, formada pela intersecção de dois triângulos. Em seguida, nota-se que esses triângulos estão contidos em um hexagrama, o qual se encontra inscrito em uma circunferência. Esses elementos diversos, os dois triângulos interseccionados, o hexagrama, o círculo e a cruz, pertencem a uma simbologia universal; portanto, poderíamos ficar tentados a consultar o que cada tradição tem a nos dizer a respeito desses símbolos, de forma a entendermos o significado do Pantáculo Martinista. Contudo, isso se mostraria um erro. Para descobrirmos o verdadeiro simbolismo, precisamos atentar para o significado que nossa tradição atribui a esses símbolos diversos.
Você lembrará que foi Papus quem, quando criou a Ordem Martinista, escolheu o Pantáculo para simbolizar o Martinismo. Na verdade, ele se lançou mão apenas dos símbolos essenciais da Ordem dos Elus-Cohen, fundada, no século XVIII, por Martinès de Pasqually. Para Pasqually e seus discípulos, o Pantáculo tinha um significado bastante preciso. Ele representava a Criação Universal, o mundo material, concebido para servir como um local de exílio aos seres que se afastaram de Deus, caindo no Abismo. Aos seus olhos, também simbolizava o local ocupado pela humanidade no início da Criação, assim como o caminho que devemos seguir para recuperar nossa posição, enquanto trabalhamos para buscar a nossa própria Reintegração, e aquela de todos os seres. O próprio Louis-Claude de Saint-Martin tratou da simbologia do Pantáculo em muitos dos seus escritos, particularmente em O quadro natural e em Os números. Baseando-se no Pantáculo desenhado por Saint Martin em sua obra Os números, Papus concebeu o Pantáculo que se transformaria no símbolo da Ordem Martinista.
No Pantáculo, o círculo representa o limite da Criação. De fato, quando o círculo é representado sem o ponto que marca o seu centro, ele não mais simboliza a Imensidão Divina, mas sim o Eixo do Fogo Divino, que cerca o mundo da matéria, isto é, o mundo na qual nós não mais conseguimos sentir o Centro Divino, de onde é emanado. Além do mais, é o seu raio que possibilita a divisão do círculo em seis partes iguais, produzindo, assim, um perfeito hexagrama. É interessante notar que, no livro Dos erros e da verdade, Louis Claude de Saint Martin empenha-se em mostrar que o raio do círculo fornece a estrutura básica dos dois triângulos do Pantáculo, os quais formam a estrela de seis pontas.
Louis-Claude de Saint-Martin, assim como Martinès de Pasqually, viu no hexagrama o símbolo dos Seis Dias de Criação. O número seis é, também, simbolizado por dois triângulos entrelaçados. No Pantáculo, ambos os triângulos representam a criação do mundo material pelo Divino, o qual, para tanto, integrou o poder triplo do Pensamento, da Vontade e da Ação, juntamente com o trabalho do enxofre, do sal e do mercúrio. Os espíritos, cuja missão inicial era produzir matéria, produziram essas três essências.
Em seu livro, Os números, Louis-Claude de Saint-Martin afirmou: “o triângulo superior junto ao triângulo inferior, reagindo um com o outro, manifestam a vida.” E acrescenta posteriormente: “É, assim, que o Homem Quaternário surgiu,” sendo representado pela cruz encontrada no Pantáculo. O centro da cruz coincide com o centro do círculo, e seus quatro braços vão além dos limites fixados pelos dois triângulos, para finalmente regressar ao círculo. Isso significa que o Homem Quaternário, também chamado de Quaternário Menor, foi colocado no centro da Criação, não apenas para direcioná-la, mas também para trabalhar em prol da Reintegração. Essa missão dupla constitui aquilo que o Filósofo Desconhecido chama de “a primeira religião da humanidade”, através da qual nós “temos de continuar passando o nosso olhar de Leste a Oeste, de Norte a Sul”. De fato, Saint-Martin considera a humanidade como “um ser continuamente saturado de Deus, mas no qual Deus não mais manifesta a sua Divindade”, ou melhor, em nenhuma parte da Criação.
No Martinismo, a cruz não simboliza a ideia de morte, como é comum no caso do Cristianismo. Martinès de Pasqually, Louis-Claude de Saint-Martin e Jean-Baptiste Willermoz chamavam-na de Receptáculo porque eles viram em seu formato a ideia de irradiação, tomando como sua fonte um ponto invisível e então estendendo-o em todas as direções do espaço. De acordo com eles, no princípio, o Homem Primordial fora destinado a receber a Divina Energia emanada do invisível centro da Criação, para então ser transmitida para todo o universo. Em todas as iniciações criadas por Martinès de Pasqually, cujo objetivo era reviver simbolicamente os diversos estágios da história da humanidade, os candidatos eram colocados deitados no centro de um grande Pantáculo traçado no chão, com seus braços abertos em forma de cruz. Enquanto nessa posição, eles eram cobertos com três pedaços de tecidos sobrepostos – um preto, um vermelho e um branco. Em uma dessas iniciações, dois pedaços de tecido branco eram adicionados, com o intuito de formarem uma cruz sobre seus corpos. Essa cruz era chamada de Receptáculo.
De acordo com o Tratado da reintegração dos seres, o Quaternário Menor, Adão, foi colocado no centro da Criação para dirigi-la; entretanto, ele foi incapaz de cumprir sua missão. Tendo o primeiro Adão caído; foi o Segundo Adão, o Cristo, que foi convocado para ocupar esse lugar central. No entanto, em seu Tratado das duas naturezas, Jean-Baptiste Willermoz indica que, se a missão do Cristo exigiu que ele passasse pela cruz, foi para nos lembrar da nossa condição original. De acordo com Willermoz, “Essa cruz, dividindo figurativamente, com seus quatro braços, as quatro partes do espaço criado, lembra-nos, de maneira clara, das quatro regiões celestiais que constituíam o primeiro domínio da humanidade em seu estado de pureza e inocência. Seu centro, onde o Divino Reparador morreu, lembra o paraíso terrestre, que foi a sede da nossa glória e domínio.” Para Jean-Baptiste Willermoz, assim como para Louis-Claude de Saint-Martin, a cruz simboliza a Redenção e indica o caminho que a humanidade deve seguir para recuperar o seu lugar original.
Como é sabido e pode ser visto no diagrama abaixo, o símbolo S. I. é representado por uma cruz, ladeada pelas letras “S” e “I”, e por dois grupos de três pontos. No que diz respeito à Tradição Martinista, esse símbolo de alta significação representa o domínio ao qual o Iniciado aspira, a Maestria que um dia nos tornará verdadeiros Superiores Desconhecidos. Depois de ter arrancado o escuro véu da ignorância que está obscurecendo a nossa missão, iremos nos tornar a Humanidade Divina na Terra, e, novamente, dirigir a Criação, representada por esses seis pontos. A partir desse ponto, o círculo deixará de limitar a radiação das nossas ações, passando a abraçar o Todo.
Para alcançar essa Maestria, devemos começar voltando-nos para o Cristo, que desde a queda de Adão, ocupa o centro de toda criação. Dessa maneira, para Louis-Claude de Saint-Martin, o Cristo é o mediador, o centro invisível ao qual podemos nos conectar, a fim de conhecermos a regeneração. Assim como a rosa no centro da cruz, o Cristo é encontrado em nossos corações como a fonte da qual podemos beber para nos regenerarmos. É por isso que o Filósofo Desconhecido insistia tão fortemente na necessidade de continuamente mergulharmos nas profundezas do nosso interior, a fim de extrairmos a “raiz vivificante, porque, então, todos os frutos que devemos manifestar, de acordo com a nossa espécie, serão produzidos naturalmente tanto dentro de nós, quanto fora de nós.“ Assim é, para Louis-Claude de Saint-Martin, a verdadeira iniciação, que novamente nos torna um Receptáculo do Divino.
Como vimos ao longo deste artigo, o Pantáculo traduz uma expressão do Todo. Ele representa não apenas o processo pelo qual o Divino deu a luz à Criação, mas também o lugar da humanidade na criação e o caminho que devemos seguir para nos regeneramos enquanto trabalhamos na Reintegração de todos os seres. É precisamente por esse motivo que o esplendor desse símbolo “dá auxílio e suporte ao olho treinado do Iniciado na busca pelos mistérios perdidos”. Naturalmente, outros ensinamentos podem ser extraídos do Pantáculo. Cabe a você, por meio da meditação, e no silêncio do seu coração, descobri-los.
O Pantáculo, de acordo com um desenho de Louis-Claude de Saint-Martin.
O Pantáculo formado pela divisão do círculo pelo raio.
Os seis dias, fundamento da Criação.
Os seis dias, fundamento da criação.