Se você ainda não viu as primeiras partes, veja-as antes de continuar. Segue os links para elas abaixo:
Parte 5: Bricaud e a Conferência Internacional Maçônica e Espiritualista
Parte 6: Abbé Julio, Jean Sempé, Giraud e a Igreja Gnóstica Universal
Nesta parte, veremos como fica a E.G.U após a morte de Papus e também qual a era a situação da E.G.U fora da França entre 1908 e 1930.
A E.G.U após a morte de Papus
Em 1916 falece Papus e durante um breve período tanto a Ordem Martinista quanto as seções francesas do Rito de Memphis-Misraim e da O.T.O. são capitaneadas por Charles Henri Détré, porém, este também falece (em 1918), sendo sucedido por Jean Bricaud. O tratado de 1911 que reconheceu a E.G.U. como sendo a “Igreja oficia” da Ordem Martinista, havia sido ratificado por um documento manuscrito emitido em 11 de janeiro de 1917, assinado por Téder em nome da “Ordre Martiniste” e Bricaud em nome do E.G.U.
A agora chamada “Ordem Martinista de Lyon” restringiu a filiação à ordem estritamente para Mestres Maçons, como já havia sido pensado. A Ordem Martinista que Téder tinha em mente estava muito mais focada na Teurgia de Martinez de Pasqually e na Maçonaria de Alto Grau. Jean Bricaud levou a ordem ainda mais perto de uma base maçônica. As mulheres martinistas de repente se viram impossibilitadas de frequentar as atividades que já vinham desempenhando. Isto é motivo inicial para o rompimento de alguns martinistas à esta Ordem e o surgimento de outras Ordens, várias ramificações do ramo inicial. Não nos deteremos sobre este ponto por ser de maior atenção nos estudos martinistas. Mas vale refletir se caso a Ordem Martinista não tivesse sido ramificada como se ramificou até hoje ela ainda assim teria crescido tanto. Mas o que é importante no que diz respeito à E.G.U. é o fato de que as “reorganizações” de Bricaud também causaram todos os tipos de problemas dentro da sua Igreja Gnóstica.
Em 5 de maio de 1918, Jean Bricaud/Bispo Tau Jean II consagrou Victor Blanchard (membro do “Suprême Conseil de l ‘Ordre Martiniste” e um “Venerável da Loja Melchissédek nº 208”) como Bispo da E.G.U., carregando o nome de “Tau Targelius”.
Em 18 de setembro de 1919, Bricaud reconsagra Theodor Reuss como Bispo, em um sínodo da E.G.U. realizado em Lyon, de modo a delegar a este também a continuidade apostólica – e o aponta como detentor de todo o Legado Gnóstico da E.G.U. para a Suíça.
Reuss fez de Bricaud “Délegué Générale” da O.T.O. para a França, nove dias antes, em 9 de setembro de 1919. Reuss também concedeu uma autorização para estabelecer o Santuário Soberano Francês Rito de Memphis-Misraim. Em 30 de setembro, Bricaud ativou uma fundação francesa de um “Supremo Grande Conselho de Ritos Confederados, Primitivo Rito Escocês, Memphis e Misraim, Ordem Real da Escócia”. Como afirmado anteriormente, Papus concedeu a Reuss a autoridade episcopal e primacial na “Église Catholique Gnostique”, depois de receber autoridade no Rito de Memphis-Misraim de Reuss.
Como já vimos anteriormente, Reuss se referiu à sua Igreja Gnóstica Alemã como “Gnostische Katholische Kirche” (G.K.K.). Koenig afirma que Reuss se descreveu no posfácio de sua tradução da Missa Gnóstica de Crowley em 1917 como atual Chefe dos Neo-Cristãos Gnósticos, Patriarca Soberano e Primaz da Igreja Gnóstica e, ao mesmo tempo, como apenas Legado Gnóstico da Igreja Gnóstica Universal da França para a Suíça (a sede da OTO de Reuss estava na Suíça na época).
Em 1917, após a morte de Fabre des Essarts, o patriarcado da Igreja Gnóstica de Doinel havia passado para Léon Champrenaud (Tau Téophane), embora inicialmente nenhum dos possíveis candidatos a suceder Synésius estava muito ansioso para tal, o qual foi sucedido por Patrice Genty. Genty por sua vez, em 1921, a favor da Igreja de Bricaud, passa a denominar o ramo Gnóstico de Doinel como l’Église Gnostique de France.
Aparentemente, Genty foi reconsagrado “sob condição” por Horwarth depois de 1922[1]Algumas fontes apontam que tal consagração ocorreu em 1933, na verdade. (recebendo a linhagem de Bricaud-Blanchard etc.). Afirma-se que Genty colocou a E.G. da França para descansar em 1926. É dito que em 1926 Genty foi “elevado ao Patriarcado” em um provável contexto sobrenatural (uma visão) que indicava a continuação de uma Igreja Gnóstica sob Genty/Basilides. Sendo assim, até 1926, existia na França a “Église Gnostique de France” e a “Église Gnostique Universelle” de Bricaud. Porém, como já dito, em 1926 Genty põe em adormecido a sua Igreja Gnóstica. Também é sabido que tal adormecimento ocorreu em favor da Igreja de Bricaud.
Bricaud recrutou em Lyon, França, um grupo muito forte de clérigos e fiéis seguidores gnósticos. Como já vimos antes, foi aí que ele consagrou Victor Blanchard. Porém, por volta de 1919, a postura de Blanchard em relação a Bricaud mudou radicalmente. Ele, como muitos Martinistas da época na França e no exterior, não aceitou a suposta Grande Mestria da Ordem Martinista de Bricaud. Blanchard cortou todos os laços com Bricaud e partiu para estabelecer sua própria Ordem Martinista (fundada em 1921, Ordem Martinista & Sinárquica).
Blanchard ordenou pelo menos cinco Bispos gnósticos sob sua própria autoridade, incluindo Charles Arthur Horwath, que mais tarde foi consagrado, sob condição; Patrice Genty (Tau Basilide), o último Patriarca de L’Eglise Gnostique da França, previamente ordenado na sucessão espiritual de Doinel por Fabre des Essarts; e Roger Ménard (Tau Eon II), que logo ordenou Robert Ambelain (Tau Robert) em 1946, o qual fundou seu próprio ramo da Igreja Gnóstica: l’Église Gnostique Apostolique em 1953 – mesmo ano da morte de Blanchard.
Bricaud adoeceu em 1933 e em 21 de fevereiro de 1934 passou para a luz além da sombra.
Um dos órgãos afiliados à F.U.D.O.S.I. foi a “Eglise Gnostique Universelle”, mas esta Igreja certamente não era a E.G. Universelle de Bricaud. A E.G.U. da F.U.D.O.S.I. foi liderada por Tau Bardesane, Lucien Chamuel. Segundo Le Forrestier, há razões para acreditar que existia uma discórdia, senão uma rivalidade, dentro deste ramo da árvore gnóstica. Não se sabe muito sobre esse episódio, mas parece que Lucien Chamuel, que era membro do primeiro Sínodo Sagrado da Eclesia Gnóstica da década de 1890, havia fundado sua própria Igreja[2]Talvez por discordâncias em relação às novas ideias de Bricaud?. Lucien Chamuel é referido como “Presidente Eleito do Alto Sínodo” na mesma obra de Le Forrestier. Chamuel/Bardesane foi representado por Blanchard/Targelius como “chefe da Igreja Gnóstica” no convento de Bruxelas em 14 de agosto de 1934. Os desenvolvimentos e atividades dos ramos gnósticos entre 1925 e 1940, além da E.G.U. de Bricaud, são bastante obscuros e muito se baseia em especulações ou em dados que não possuem comprovação[3]Sobre este ponto é válido afirmar que os documentos podem ter se perdido com o tempo, principalmente devido às perseguições da Segunda Guerra Mundial, e que muitas coisas que hoje alguns … Continue reading. Depois de 1945, é quase impossível formar uma imagem coerente das várias igrejas gnósticas e suas afiliações.
Após a morte de Bricaud em 1934, o patriarcado da E.G.U. passa para Constant Chevillon, Grão Mestre da Ordem Martinista, ordenado por Mons. Giraud em 5 de janeiro de 1936 com Tau Harmonius, o qual mantém as atividades da Igreja até 1942, quando então é oficialmente dissolvida durante a segunda Guerra Mundial.
Entre os bispos consagrados por Chevillon estava Arnold Krumm-Heller, o fundador da Fraternitas Rosacruciana Antiqua (F.R.A.), a qual passa a englobar também o legado gnóstico.
As milícias nazistas e francesas sob as ordens da Gestapo de Klaus Barbie, também conhecido como “o açougueiro de Lyon”, mataram Chevillon (Harmonius) em 22 de março de 1944.
Os Delegados Gnósticos no Exterior (1908-1930)
Até agora nos detemos, na maior parte do tempo, à história da Igreja Gnóstica na França, com exceção das breves exposições dos ramos de Reuss e Krumm-Heller. Outros ramos não estão incluídos por falta de informação sobre eles, com exceção daqueles em que há nomeação de Delegados e sobre os quais nos deteremos agora.
Por exemplo, Czeslaw Czynski/”Punar Bhava”, que foi nomeado em 1913 por Papus como “Legado da Igreja Gnóstica Universal da Rússia”. O Dr. Czinski já foi nomeado em 1910 como “Delegado Soberano” da Ordem Martinista Russa. Sua nomeação em 1913 como um Legado da E.G.U. na Rússia é uma possível indicação de uma Igreja Gnóstica existente na Rússia na época.
Edgardo Frosini foi nomeado em 1912, junto com Téder, como “Legado Gnóstico da Igreja Gnóstica Universal”. Em 1910, Frosini esteve envolvido no estabelecimento (junto com Reghini) de uma Loja Martinista em Florença. Mas, novamente, não há documentação de quaisquer atividades de um ramo ativo da E.G.U na Itália. Já a Ordem Martinista na Itália foi liderada em 1918 por Alexander Sacchi (Sinesius S ::: I :::, presidente do Gran Consiglio Italiano da Gran Loggia Martinista nazionale). O cisma na França também causou um cisma na Itália, uma parte dos Martinistas Italianos permaneceu leal à Ordem Martinista de Lyon (Bricaud) e era chefiada por Vicenze Soro. Por causa da conexão da Igreja Gnóstica com a Ordem Martinista, é bem possível que os Martinistas Italianos estivessem conectados à E.G.U. Massimo Introvigne se refere em um de seus artigos no site da Cesnur à Chiesa Gnostica d’Italia, que aparentemente também tinha fortes laços com a Maçonaria Italiana, mas o artigo não menciona datas.
Na Dinamarca, Carl William Hansen / Ben Kadosh recebe em 1923 uma patente de Bricaud e após isto a organização de Hansen é reconhecida como “Grand Orient dela vrai et haute Maconnerie esoterique et gnostique de Danmark”. Hansen aparentemente se apresentou como Patriarca e Primaz do Sínodo Gnóstico Naassênico da Escandinávia. Hansen era chefe de uma estrutura que era uma compilação de ordens e sociedades como a OTO (do Reuss), OKR+C, M.’.M.’. etc. Novamente, não há mais informações disponíveis sobre a existência de uma Igreja Gnóstica na Dinamarca[4]a propósito, Kadosh foi registrado como um “luciferiano” na Dinamarca, não como gnóstico.
Synésius se referiu a um ramo gnóstico em Praga em sua palestra sobre a conferência de 1908 em Paris. Ele afirmou que esse ramo era um velho ramo boêmio da Igreja liderada por um certo “frère Jérôme”. Milko Bogaard nos revela, citando Koenig, que Sophronius (Fugairon, ex-associado de Synésius) agiu sob Bricaud como “Bispo de Praga”, uma indicação das atividades da EGU na Boêmia.
Synésius também menciona “um pequeno, mas ativo” ramo da Igreja que estava ativo na Bélgica na época. Há quem fale que esse grupo era de Clément de Saint-Marcq, que residia em Antuérpia na época. Há dúvidas quanto à qual Igreja ele era vinculado, se a da E.C.G. ou a da E.G.U. Caso fosse da E.C.G., é improvável que o ramo que Synésius fala fosse o dele. Independentemente disto, Clément de Saint-Marcq era um gnóstico e um ex-membro da loja KVMRIS, da qual já falamos antes, e mais tarde tornou-se o chefe da Loja Martinista “VISCVM” em Antuérpia. De Saint-Marq foi membro da Igreja Gnóstica de Doinel na década de 1890.
Saint-Marq tinha uma interpretação controversa do conceito católico da Eucaristia. Ele queria dar uma explicação “científica e racional” do conceito de “união com o corpo místico de Cristo”. Segundo Clément de Saint-Marcq, a palavra-chave para todas as referências evangélicas à união mística é sêmen, chegando a dizer que é sob os auspícios do esperma que a carne de Jesus Cristo foi realmente capaz de ser um alimento e seu sangue uma bebida. Mallinger refere-se a Saint-Marcq com um “ex-comandante da Place Forte d’Anvers” (a fortificação de Antuérpia) e diretor de uma importante sociedade espiritualista, não citando qual. Theodor Reuss já chegou a dizer que Saint-Marcq possuía o segredo final da OTO que era, como Milko Bogaard aponta, parafraseando Peter R. Koenig, “quanto mais esperma você come mais a manifestação do Cristo ocorre dentro de você: nenhuma mulher é necessária para isto”.
Como já dá para ter percebido, os vários Patriarcas Gnósticos da França nomearam numerosos “Delegados” de suas respectivas Igrejas Gnósticas. Estes foram representantes delas em vários países da Europa e da América (do Norte e do Sul). Porém, é provável que na maioria dos casos tais congregações contavam apenas com alguns membros. E também, como vimos, alguns chegavam a destoar bastante das ideias da própria E.G.U.
Referências
↑1 | Algumas fontes apontam que tal consagração ocorreu em 1933, na verdade. |
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↑2 | Talvez por discordâncias em relação às novas ideias de Bricaud? |
↑3 | Sobre este ponto é válido afirmar que os documentos podem ter se perdido com o tempo, principalmente devido às perseguições da Segunda Guerra Mundial, e que muitas coisas que hoje alguns historiadores duvidam que tenham acontecido por falta de comprovação documental não era visto com estranheza na época. Ora, se algo não aconteceu e alguém estava se passando pelo que não era, também deveria haver documentos que comprovassem tal estranheza e, na maioria destes casos, isto não ocorre. Enfim, não é porque não há documentação documental, ou mesmo essa documentação não chegou até nós, que algo não aconteceu, ainda mais se não é relatada estranheza sobre tais afirmações na época. Porém, não há comprovação documental, repetimos. |
↑4 | a propósito, Kadosh foi registrado como um “luciferiano” na Dinamarca, não como gnóstico |
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